quinta-feira, 24 de março de 2011

Aquela que eu amo é... Capitulo 11




Aquela Que Eu Amo É...
Capítulo 11 - Onde Os Anjos Temem Pisar
Escrito por Alain Gravel  
Ajudado por Sparky Clarkson  
Traduzido para o português por Francisco M. Neto  
Revisão da tradução por Carlos A. B. Jacobs  
Baseado em personagens criados e de propriedade da GAINAX
http://www.geocities.com/Tokyo/Teahouse/2236/
(número) Veja as notas do autor para detalhes
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Capítulo 11 - Quando Os Anjos Temem Ameaçar
Pacífico.
Algumas pessoas usariam essa palavra para descrever o que já tinha se
tornado o "Lago Tokyo-3". Conforme o dia acabava, era possível até mesmo chamá-
lo de bonito, iluminado como era pelos últimos raios do sol. Mas essas palavras
não vinham à minha mente enquanto estava na beira da água e observava o plácido
lago.
Deserto. Deserto e solitário.
Sozinho.
Eu estava sozinho.
Assim como antes de vir para a NERV.
Mas não era a mesma coisa.
Agora, eu não podia agüentar a solidão. Eu não queria mais ficar sozinho.
Agora que eu sabia como era estar realmente vivo. Mas eu não tinha escolha.
Kensuke, Hikari e Hotaru tinham ido embora, graças à explosiva destruição de
Tokyo-3. Embora eu não conhecesse Hikari e Hotaru tão bem quanto Kensuke, sua
companhia teria sido reconfortante. Mas eles não estavam mais ali. Pelo menos
Hikari poderia se juntar a Touji em Tokyo-2. Eu sabia que eles sentiam falta um
do outro. E Hotaru não precisaria ver o que havia acontecido a Rei...
Não, não Rei. Ayanami. Rei estava morta agora. Ao olhar para a cruz
prateada em minha mão, eu tentei suprimir as lágrimas que ameaçavam tomar conta
de mim.
E agora Asuka também havia me deixado. No fim, eu agüentei até o final e
ela fugiu. Novamente, eu tinha sido rejeitado e deixado para trás. Eu queria
ter-lhe dado mais atenção, mas a morte de Rei tinha me machucado tanto...
naquela ocasião, parecia a única coisa sobre a qual eu podia pensar. Talvez...
não. Era tarde demais agora. Ela tinha ido embora, deixando apenas um bilhete.
Um bilhete! Porque ela escreveu aquelas palavras ao invés de dizê-las? Eu teria
dito a ela que não queria que ela fosse!
Uma lágrima abriu caminho pela minha bochecha quando eu apertei em minha
mão a interface vermelha que Asuka sempre usara com tanto orgulho. Era tudo que
eu tinha dela... um pedaço de lixo.
Misato ainda estava lá, mas ela era praticamente um fantasma,
desaparecendo tão rápido quanto aparecia. As revelações do dia anterior tinham
sido apenas aperitivos para ela. Ela tinha me abandonado e enterrado a si mesma
no Geofront, consumida pelo seu desejo de desvendar o segredo da organização que
tinha destruído Kaji; que tinha destruído a todos nós.
Eu nem mesmo podia ver Pen-Pen, agora que Misato o tinha mandado para a
família de Hikari, para sua própria segurança. Eu não podia culpá-la, mas... eu
poderia ter aproveitado a companhia. E além disso, ele teria encarado a morte de
Rei da mesma forma que eu. Talvez Hikari, com sua atitude positiva, poderia
animá-lo.
'Animar.' Essa palavra não podia ser mais irônica. Rei e Asuka queriam que
eu estivesse feliz naquele dia. Eu poderia ter sido feliz. Eu me lembrei das
palavras de Asuka, quando eu saí da Unidade-01.
'Você vai ver, Shinji! Este ano você vai ter o melhor aniversário de todos
os tempos! Rei e eu vamos providenciar!'
Irônico, sem dúvida. E elas tinham perguntado porque eu odiava essa
data...
Eu a odiava porque ela sempre me mostrava o quão solitário eu era.
Mas dessa vez era pior.
No passado, eu havia sido solitário, mas não me importava.
Agora, eu estava solitário e odiava isso. Eu estava com medo também. Eu
não sabia como lidar com aquilo até o dia seguinte. Qual era o meu propósito? Eu
tinha perdido o que era mais importante na minha vida... eu só podia esperar que
Asuka voltasse ou que Ritsuko estivesse errada e que algo de Rei ainda vivesse
em Ayanami.
'Não se preocupe. Eu nunca vou te incomodar de novo. Nunca.'
Não. Asuka não tinha a intenção de voltar. E eu duvidava que o Comandante
fosse mover uma única palha para achá-la. Ela não poderia pilotar o EVA mais e
com a Unidade 00 destruída, Ayanami poderia substituí-la na Unidade 02... isso
se o teste de compatibilidade tivesse sucesso. Mas, novamente... ela era
descartável. Além disso, havia apenas mais um Anjo sobrando, então provavelmente
a Unidade 02 não era mais útil mesmo...
'Se ela mantivesse suas memórias de você, ela não poderia ser usada para o
que Ikari planeja para ela. Então o Comandante me pediu para cuidar desse
pequeno detalhe. Sinto muito Shinji.'
A Ayanami atual... não se lembrava de mim. Para ela, eu era apenas a
Terceira Criança. Tudo que eu tinha experimentado com Rei, aqueles últimos
meses, os sentimentos que dividimos... não existiam mais. Com se nunca tivessem
existido. Era como se eu tivesse voltado no tempo. Algumas horas antes, eu a
tinha visitado em seu antigo apartamento, que, por incrível que parecesse, tinha
sobrevivido à imensa explosão da Unidade 00. Eu a encontrei sentada em sua cama,
olhando pela janela, bandagens ensangüentadas jogadas na cama e no chão. Quando
ela me ouviu, ela se virou e olhou para mim com olhos vermelhos sem vida. Ela
não disse nada, e nem eu ao sair, incapaz de vê-la por mais um segundo. Eu não
queria vê-la, aquela boneca, uma boneca usando a face de uma garota que um já
amara.
Não havia mais esperança para mim.
'É verdade que agora a única coisa que podemos fazer é pilotar o EVA...
mas, bem... enquanto ficarmos vivos... algum dia, estaremos felizes por ter
sobrevivido.'
Palavras que eu havia dito a Rei, depois de quase termos sido destruídos
em nossa primeira missão juntos (1). Eram aquelas palavras mentiras? Não. Eu
tinha que acreditar que havia algo além da desesperança.
'Eu não tenho mais nada.'
Rei estivera errada. Por estar viva, ela tinha podido experimentar alegria
e felicidade, mesmo que apenas passageiras.
Eu derrotaria o Décimo Sétimo Anjo, e continuaria vivendo.
Essa resolução não diminuiu a dor que eu sentia no entanto...
Porque, agora, eu não tinha nada.
Meus pensamentos foram repentinamente interrompidos por alguém
cantarolando uma música que eu reconheci facilmente: "Ode à Alegria", de
Beethoven. Eu olhei para a minha esquerda para ver uma garota sentada em uma
rocha no lago, a alguns metros da margem. Uma muito familiar garota de cabelos
cinzentos. Ela ainda vestia o mesmo vestido leve branco e seu cabelo movia-se
com o vento.
Não me ocorreu que aquela garota não estava ali alguns momentos antes.
"Você!"
Ela não pareceu me ouvir, ou talvez ela estivesse apenas me ignorando,
pois continuou cantarolando por algum tempo antes de se virar para mim. Eu quase
me arrependi quando ela fez isso, seus olhos vermelhos me lembrando minha perda.
"Você não acha que a música é uma das maiores criações dos Lilims, Ikari
Shinji-kun? Você não pode sentir todas as emoções com as quais ela preenche o
coração? Você não acha que este mundo seria um lugar melhor para se viver se
tivéssemos mais músicos para confortar o coração e a alma?"
Eu pisquei ao ouvir isso. Que garota estranha...
"Quem é você? Como você sabe meu nome?"
Ela sorriu para mim. Um sorriso caloroso, amigável, inocente.
"Você realmente subestima a sua importância e posição. É natural que eu te
conheça, pois sou, assim como você, um dos escolhidos. Eu sou a Quinta."
O QUÊ?!
"A... a Quinta... Criança? Você é... um piloto?"
Eu não podia acreditar. Mais uma... mais uma que seria sacrificada para o
EVA...
Isto tinha que ser um pesadelo.
"Sim. Eu fui escolhida para substituir a Segunda."
A Segunda. Asuka. Substituí-la? Tão rápido? Ela não tinha ido embora nem
há vinte e quatro horas! Como eles podiam substituí-la tão rápido? Essa garota
sabia de algo que eu não conhecia? Eu estava a ponto de perguntar quanto me
ocorreu que Asuka tinha realmente deixado de ser um piloto confiável desde o
ataque do Décimo Quinto Anjo. Tempo suficiente para o Comandante arrumar uma
substituta. Se essa garota, entretanto, era uma candidata...
"Por quê você não apareceu antes?"
"Não havia necessidade de um piloto extra."
A garota olhou para longe, fitando o lago.
"Você teria preferido que eu tivesse me machucado ao invés de seus amigos,
não?"
Eu engasguei com essas palavras... porque eu sabia que era verdade. Eu
queria que essa garota estranha tivesse sido escolhida para pilotar a Unidade-03
ao invés de Touji. Eu queria que ela tivesse sido aquela cuja mente houvera sido
estuprada pelo Décimo Quinto Anjo. Eu queria que ela tivesse morrido no lugar de
Rei.
Eu me senti tremendamente culpado e egoísta por pensar dessa maneira. Eu
baixei minha cabeça, envergonhado.
"Eu... eu... sim."
A reação da garota não foi o que eu havia antecipado. Ela riu. E então
desceu da rocha na qual ela estava sentada. Ela não parecia se importar com o
fato de estar de pé no lago, com água até sua cintura. Ela simplesmente andou
até mim, com um sorriso feliz em sua face. Conforme ela saía do lago, eu percebi
que a parte de baixo de seu vestido se tornava translúcida, por causa da água e
da maneira como aderia a sua pele. Eu olhei para longe ao subitamente perceber
que ela não parecia estar usando nada por baixo do vestido. Eu fiquei nervoso e
tenso conforme ela se aproximava de mim. Eu estava congelado no lugar quando ela
se aproximou, apenas pulando discretamente para trás quando ela deixou sua
cabeça a alguns centímetros da minha.
"Você deveria enrubescer mais vezes. Fica melhor em você, ao invés de uma
expressão vazia. Um sorriso seria ainda melhor" Ela sussurrou, antes de ir
embora.
Eu fiquei no mesmo lugar, sem saber como responder àquilo.
"Há testes de harmônicos e sincronização agendados para amanhã. Nós nos
veremos novamente."
Isso me jogou de volta à realidade. Testes? Eu não sabia que haveria
testes. Mas, novamente, alguém devia ter me falado e eu não prestara atenção...
"Er... sim... claro... ahn... Nagisa, certo?"
"Sim, meu nome é Nagisa Kaoru. Mas você pode me chamar de Kaoru, Ikari-
kun."
Kaoru... um piloto, como eu. Destinada a uma vida miserável, com
certeza...
"Melhor não, Nagisa."
"Entendo..."
Por um momento, pareceu haver tristeza na face da garota, mas ela foi
rapidamente apagada por um sorriso alegre.
"Até amanhã de manhã, então."
Provavelmente esperando que eu não fosse responder, a garota foi embora.
Nagisa Kaoru. A Quinta Criança. Era por isso que ela sempre parecia estar
por perto, desde o Décimo Terceiro Anjo? Estivera ela me observando? Qual era o
objetivo dessa garota? E porquê ela parecia tanto com Rei, e ainda assim tão
diferente?
* * *
Eu olhei sem muita vontade para meu despertador quando ele indicou que era
hora de levantar. Não que fosse muito difícil, eu não tinha nem mesmo dormido;
minha mente se negava a desligar desde a minha última visita ao Terminal Dogma.
Foi incrível que eu o tivesse ouvido, pois o som da música de Beethoven
preenchia meus ouvidos. Eu a havia ouvido desde que eu chegara de volta no
apartamento, depois do meu encontro com a Quinta Criança. Eu sentira a
necessidade de algo que desviasse meus pensamentos, então fui direto fui para o
meu SDAT. Eu percebi, no entanto, que não estava interessado na minha fita
usual, então eu ouvi Beethoven a noite inteira ao invés disso.
Era porque eu tinha ouvido a Quinta cantarolando uma das peças do grande
compositor?
A Quinta. Eu a veria novamente hoje. Assim como a Primeira...
Eu realmente teria gostado de evitar isso.
Vagarosamente, me levantei. Eu não me sentia a fim de tomar um banho ou de
comer, ou mesmo me trocar, então fui direto para a NERV.
* * *
"Shinji-kun! Tente se concentrar! Sua taxa está ficando cada vez mais
baixa!"
Eu suspirei ao fazer algum esforço para me concentrar. A pobre Tenente
Ibuki parecia estar desconfortável em sua nova posição. Eu acho que era natural.
Substituir a Dra. Akagi era provavelmente muito difícil para ela.
Dra. Akagi. Eu imaginei o que haveria acontecido a ela. Será que o
Comandante havia se desfeito dela agora que ela não era mais útil?
"Minha taxa de sincronia estará bem quando for necessário", eu repliquei
monotonamente, depois de desistir de tentar aumentar minha taxa de sincronia.
Quando chegasse a hora, eu venceria o Décimo Sétimo Anjo. Eu estava determinado
a fazer isso. Mas este era apenas um teste e eu não podia fazer nada senão
deixar meus pensamentos correrem.
Era Ayanami capaz de sincronizar assim como Rei?
Ayanami...
Não havia realmente nada de Rei que tivesse sobrado nela?
Eu tinha que descobrir.
* * *
"Rei."
Eu sabia que minhas chances eram pequenas, mas eu tinha que tentar. Então
eu ficara ali, apoiado em uma parede, ainda usando meu plugsuit, esperando que
ela saísse do vestiário feminino. Seu cabelo estava ainda encharcado por causa
da ducha necessária para se livrar do LCL. Eu poderia ter achado isso bem
bonito, se não tivesse sido o seu olhar sem emoções. Eu odiava aquele olhar.
"Piloto Ikari."
Eu congelei com essas palavras.
Ela ficou ali por alguns segundos, olhando para mim com frios olhos
vermelhos. Eu não me movi, enquanto sentia minha resolução me abandonar,
conforme eu percebia que aquilo parecia tão fútil.
Eu somente me movi quando ela pareceu perder o interesse em mim e começou
a ir embora. Eu segurei um de seus ombros. Sua cabeça voltou-se para a minha,
seu olhar monótono sobre mim.
"Você realmente me esqueceu, Rei? Isso é tudo que eu sou para você? A
Terceira Criança, o Piloto Ikari?"
Por meio minuto, Rei ficou parada como uma estátua, olhando para mim.
Aquele olhar frio e sem vida revirou meu estômago. Eu pensei que ela iria
simplesmente me ignorar novamente e ir embora quando respondesse.
"Eu não tenho memórias de você. Eu deveria?"
Ela poderia muito bem ter me dado um soco no estômago. Eu tinha esperado
por aquela resposta, mas não pude abandonar aquele resto de esperança que ainda
restava em mim. Ele tinha me dado a força para vir tão longe, para fazer aquela
pergunta. Mas agora ele tinha acabado, deixando espaço apenas para o desespero.
"Por favor, Rei", eu implorei, "você não consegue se lembrar de nada? As
missões que fizemos juntos, as vezes que nós salvamos a vida um do outro? Quando
nós vivemos juntos? Você não pode se lembrar de quando nós fizemos amor?"
Por uma fração de segundo, eu imaginei ter visto alguma vida em seus
olhos, mas foi tão rápido que eu poderia ter imaginado aquilo.
Eu então ouvi os suspiros atrás de nós e percebi alguns funcionários da
NERV olhando para nós. Era possível ver a curiosidade mórbida em seus olhos, a
fome pela miséria humana. O desespero deu lugar à raiva quando eu lhes dei um
olhar que poderia ter matado.
"Vocês não têm nada melhor pra fazer além de ficar olhando a gente?!
Dummkopf!" (2)
Quando você vive com alguém, não é uma grande surpresa que, às vezes, você
adquira alguns hábitos daquela pessoa. Eu só percebi alguns dias depois o quanto
eu devia ter parecido a Asuka daquela vez. Com minha raiva diminuindo um pouco,
eu voltei minha atenção para Rei.
"Não me diga que você não se lembra de nada disso! Não me diga que você
esqueceu tudo que dividimos! Não é possível! Você tem que lembrar de alguma
coisa!"
A garota de cabelos azuis simplesmente... olhou para mim.
"Não. Eu não lembro."
Eu quase desabei. Eu só consegui ficar de pé com muita força de vontade.
Eu não queria desabar por causa daquela... garota. Era assim que Asuka quase
sempre conseguia parecer tão forte? Só porque ela não queria parecer fraca?
"Entendo. Então Rei está de fato morta."
Incapaz de olhar novamente para aquela face familiar novamente, eu soltei
seu ombro e me dirigi para o vestiário masculino.
Apesar de tudo, uma pequena parte de mim estava lutando para manter a
esperança. Ela estava tentando me convencer a dar a essa garota uma chance, a
tentar conhecê-la, tentar me abrir para ela e esperar que ela fizesse o mesmo.
Ela esperava que essa garota eventualmente se apaixonasse por mim, assim como
Rei. Mas essa garota não era Rei. Tudo que fazia Rei única, todas as suas
experiências, nossas experiências, tinha sido arrancado fora. Não seria a mesma
coisa. Qualquer faísca que tivesse feito Rei se abrir para mim estava
provavelmente perdida para sempre.
Às vezes, é melhor simplesmente deixar para lá...
"Ikari..."
Eu repentinamente me virei, a esperança brilhando apesar do meu senso
comum me dizer para esquecê-la. Aquela esperança foi com certeza devidamente
esmagada quando eu via a expressão vazia no rosto dela.
"... sinto muito."
Palavras... que pareciam vazias.
Não Rei. Essa não era Rei.
"Você sente realmente? Você realmente conhece o significado dessas
palavras? Eu acho que não."
Pequena surpresa apareceu na face da garota, mas eu não prestei muita
atenção dessa vez. Tudo estava acabado. Era hora de seguir adiante. Se é que
havia algo adiante.
* * *
Eu estava largado no banho quente, tentando esquecer o que havia acabado
de acontecer. Uma ducha não tinha sido suficiente, então eu decidi tomar um
banho aqui, na NERV, antes de ir para o apartamento. Eu não me sentia a fim de
voltar para lá. Misato uma vez tinha me dito que ter alguém para voltar para
casa era algo especial. Eu não tinha ninguém em casa me esperando agora.
"Ikari-kun? Eu não esperava encontrá-lo aqui."
Eu quase pulei com o som daquela voz. Eu virei minha cabeça para ver
Nagisa, logo atrás de mim, nua dos pés à cabeça, um sorriso quente eu sua face.
Eu senti uma mistura de sentimentos que eu não sentia havia algum tempo: medo,
surpresa, confusão, e uma leva de hormônios masculinos, que levara a minha
pressão sangüínea a aumentar em certos lugares, assim como embaraço quando eu
notei que ela estava olhando. Eu achei que era justo, no entanto, já que eu
havia dado uma boa olhada nela também. Eu notei que seus seios eram menores que
os de Asuka, mas maiores que os de Rei. E aquele cinza era a cor natural de seu
cabelo.
"O que... o quê você está fazendo aqui?!" Eu perguntei, enrubescendo como
um tomate ao usar as minhas mãos para cobrir uma parte de meu corpo que tinha
mente própria. "Esse aqui é o lado dos homens!"
"Ah? É? Eu não sabia."
Ela ficou ali, um olhar confuso em sua face. Eu tentei olhar para outro
lado, mas não conseguia evitar virar meu olhar para ela algumas vezes.
"Nós parecemos estar sozinhos. Você se importa se eu ficar?"
"O quê?! Eu... eu... você..."
Como eu não fiz nada além de murmurar, a garota simplesmente sentou-se à
minha esquerda na banheira. Ela não fez esforço algum para se cobrir. Alguma
parte de mim notou que Rei teria agido exatamente dessa forma.
"Você e a Primeira eram de fato amantes?"
Eu congelei covardemente. Nunca subestime o poder do pessoal da NERV. E
como não havia sentido em tentar mentir...
"Sim... nós éramos."
"Então vocês não são mais?"
"Não."
"Por quê?"
Porque ela tinha que perguntar isso? Eu não queria falar a respeito.
Especialmente depois do que havia acabado de acontecer.
"As coisas... mudaram."
"E perder esse relacionamento te machuca?"
"Sim..."
"É por isso que você quer evitar contato comigo?"
Eu fiquei em silêncio. Eu não queria falar. Eu teria provavelmente ido
embora, mas eu não estava a fim de sair também.
"Você acha que se você nunca mais conhecer outras pessoas, você nunca mais
vai se sentir traído como antes. Se eles morrerem antes de você, você não
sofrerá."
Eu estava surpreso em ver como essas palavras eram verdadeiras.
"Sim."
"Então você planeja viver sozinho pelo resto da sua vida, sempre
empurrando os outros para longe?"
Eu... eu não sabia. Eu não sabia mais o que eu queria da vida. Alguma vez
eu tinha sabido? Se sim, eu deveria ter feito uma escolha...
"Talvez."
"Mas então, você nunca vai escapar dos sentimentos de tristeza e solidão
que preenchem seu coração."
Tristeza e solidão...
As luzes subitamente se apagaram. A hora do banho havia acabado. Eu
pisquei, surpreso. Eu tinha ficado ali tanto tempo?
Eu quase senti meu coração pular fora do meu peito quando senti uma mão na
minha. Ela estava olhando para mim, como se seus olhos quisessem olhar através
da minha alma. Eu puxei minha mão e olhei para outro lugar.
"É... é hora de ir."
"Ahn? Acabou?"
"Sim."
Vagarosamente, a garota se levantou. Eu enrubesci quando tive outra visão
em close de seu corpo nu. Ela olhou para mim novamente, ainda sorrindo.
"Aonde você vai?"
"Para casa. Eu não tenho nenhum outro lugar para ir."
Não havia como adiar mais isso.
"Eu ouvi falar que você toca o violoncelo. Posso te acompanhar? Eu
gostaria de ouvir você tocar. Eu fiquei sabendo que você é muito talentoso."
Eu olhei para aquele sorriso caloroso. Solidão... eu não queria mais ficar
só... mas eu não queria sofrer novamente...
"Não. Apenas me deixe sozinho..."
A garota saiu sem dizer uma palavra, o desapontamento claramente estampado
em sua face. Era um grande contraste com o seu usual sorriso amigável. Alguma
parte de mim se sentiu mal com aquilo. Mas eu tentei ignorar.
Eu não sofreria novamente...
* * *
"Muito bom Shinji! A sua taxa de sincronia está vinte pontos maior que da
última vez! Bom trabalho!"
Em um passado que parecia há mil anos atrás, eu teria ficado feliz em
ouvir isso. Mas dessa vez, eu mal notei. Eu não me importava.
Dois dias haviam se passado e eu andava pensando cada vez menos em Rei e
Asuka. Ainda doía, eu ainda sentia falta delas e eu ainda não podia ficar na
presença de Ayanami por muito tempo, mas os sentimentos não eram mais tão
opressivos. Talvez fosse verdade que o tempo realmente poderia curar as feridas.
Mas parte de mim estava assustada com a idéia. Não parecia certo simplesmente
esquecê-las e... seguir em frente.
Não havia nada que pudesse ser feito por Rei. Mas Asuka ainda estava viva,
em algum lugar, lá fora.
O teste correu sem problemas. Eu queria que tivesse levado mais tempo. O
entry plug era um lugar fora deste mundo, onde eu podia esquecer tudo. Aquilo
era... confortável.
O entry plug se abriu, e eu fiquei ali por um minuto. Eu não queria que
essa sensação de relaxamento se fosse ainda.
Quando eu abri meus olhos, eu vi Kaoru me oferecendo a mão dentro de uma
luva preta, para me ajudar a sair do plug. Depois de um momento de hesitação, eu
segurei sua mão.
"Você parece diferente quando está nesse entry plug. Você parece... em
paz."
"Eu acho que fico mesmo..."
A garota sorriu. Quando eu olhei para ela, notei como o seu plugsuit preto
e azul contrastava com a sua pele pálida e seu cabelo cinzento. Eu também notei,
com um toque de nostalgia, como o plugsuit parecia modelado com base no de
Asuka. Era o suit padrão feminino, eu imaginei. (3) De alguma forma, eu quis que
o modelo de Asuka tivesse sido um modelo único. Simplesmente não me parecia
apropriado ver outra pessoa usando algo similar.
"Quando você se trocar, você irá para casa, ou vai almoçar na cantina?"
Sem dúvida, se eu comesse ali, ela iria comigo. Mas se eu comesse em casa,
levaria mais algum tempo para ir até o apartamento e preparar o almoço. Eu
perderia muito tempo, e eu não me sentia disposto para cozinhar, de qualquer
forma. A comida da cantina cairia melhor que um instantâneo. E depois de ter
vivido com Misato por meses, alguém poderia comer praticamente qualquer coisa.
"Cantina."
Embora ela não dissesse nada, eu pude sentir que a garota estava excitada
com essa novidade. Seu sorriso se abriu ainda mais. Havia uma faísca de vida em
seus olhos. Eu suspirei.
Dito isto, eu fui para o vestiário. Eu não queria olhar para sua face
alegre. Se eu fizesse isso, provavelmente eu me sentiria bem...
* * *
Eu fiquei no chuveiro por um longo tempo, sentindo o efeito relaxante da
água quente em minha pele. Eu teria preferido a banheira, mas eu não queria
arriscar outro encontro nu com Kaoru.
Kaoru... eu imaginei o que estava se passando na cabeça daquela garota.
Não importava o quanto eu tentava empurrá-la para longe, ela continuava
voltando. Eu não podia compreendê-la. Em apenas alguns dias, todos pareciam ter
começado a gostar dela. Eu tinha ouvido isso desde o seu primeiro dia no
quartel-general, quando ela levou alguns bolinhos para o pessoal da Sala de
Controle. Havia rumores entre o pessoal técnico que trabalhava na manutenção dos
EVAs que ela fazia o melhor café por ali. Eu até mesmo ouvi que ela tinha se
voluntariado para ajudar na enfermaria, agora com falta de pessoal. Todos
pareciam cair ante o seu charme. Talvez era por causa daqueles olhos brilhantes
e do sorriso pacífico dela. Toda vez que eu a via, ela sempre parecia alegre e
feliz. Exceto naquela vez no banho...
Eu sacudi minha cabeça. Eu não deveria me sentir culpado por aquilo. Eu
tinha dito a ela que eu não queria que nós fôssemos amigos. De fato, eu tinha
certeza de que ela entendera a minha posição e meus sentimentos muito bem. Mas
aquilo a fizera parar de tentar. Eu suspirei. Apenas mais um Anjo e nós
poderíamos seguir nossos caminhos e ela não se arriscaria a se machucar por mim
nunca mais. Ou era o contrário?
Eu desliguei a água e saí de baixo do chuveiro. Peguei uma toalha e me
sequei. Levei minha mão até o nariz e cheirei. Não importava o quanto se
demorasse no banho, o cheiro do LCL continuava ali, muito sutil, mas ainda
presente. Eu odiava aquilo.
"Aí está você. Eu estava imaginando o que estava fazendo você demorar
tanto."
Eu pulei. Eu estivera tão absorto em meus pensamentos que não notara que
eu não estava sozinho, como deveria. Rapidamente, eu coloquei minha cueca,
embaraçado que minha colega piloto tivesse agora me visto claramente nu.
"Nagisa! Você não sabe que algumas pessoas aqui gostam de ter a sua
privacidade?!"
Ela simplesmente olhou para mim, um olhar confuso em sua face, ao sentar-
se no banco em frente ao vestiário, bem ao lado de onde eu tinha posto as minhas
roupas.
"Por que você está embaraçado?"
"Bem... você... me viu... pelado..."
Eu enrubesci fortemente. Parte de minha mente raciocinou que isso parecia
ser natural por aqui. Depois de tudo, Misato me vira nu no primeiro dia em que
vivemos juntos no apartamento, graças a Penpen, e Rei e Asuka também tinham me
visto nu.
"Você não deveria estar embaraçado. O corpo físico é apenas uma casca que
guarda a alma humana. A beleza de uma pessoa não deveria ser julgada por como
essa pessoa se apresenta do lado de fora, mas por seu coração e sua alma. Eu
acho que você é muito bonito."
Eu fiquei vermelho com o comentário. Era de fato a primeira vez que alguém
tinha me dito algo assim. Eu fiquei pensando em suas palavras. Asuka e Rei eram
garotas muito bonitas. Mas não tinha sido isso que atraíra minha atenção para
elas. Eu acho... que ela tinha falado a verdade. Ainda assim...
Eu congelei quando percebi que ela tinha pego algo do banco, curiosidade
em sua face.
"NÃO TOQUE NISSO!"
Isso surpreendeu a garota, fazendo-a deixar cair a corrente e a cruz
prateada. Eu lancei um olhar raivoso antes de pegá-la no chão.
Rei...
Eu coloquei a corrente em meu pescoço e me apressei a me vestir, antes de
ir embora, ignorando a garota atordoada e deixando-a para trás.
* * *
Outro apartamento vazio. Eu tentei não me sentir desapontado, mas eu não
podia evitar. Era algo que eu não conseguira parar ainda. Mesmo assim, desde que
eu percebera que Rei tinha ido para sempre, eu ficava visitando apartamentos
vazios um depois do outro.
Embora a explosão da Unidade-00 tivesse destruído a maior parte de Tokyo-
3, um bom número de prédios tinha sido apenas danificado pelo impacto.
Entretanto, eles haviam sido condenados, e alguns estavam com uma forma bem
precária. Este complexo de apartamentos era um deles.
Tecnicamente, nós éramos proibidos de entrar nesses prédios, mas não havia
forças de segurança para prevenir qualquer um de fazer isso. A NERV não tinha
recursos para tal. E aparentemente, ninguém realmente se importava muito, já que
nenhum dos oficiais de segurança que me observavam das sombras fez um movimento
para me parar.
Se eram inseguros, esses prédios eram também excelentes lugares para
alguém se esconder. Alguém que quisesse fugir desta vida. Alguém como Asuka.
Havia sido confirmado que Asuka não havia tomado um trem para deixar a
cidade. Então apenas duas opções restavam. Ou ela tinha ido embora a pé, mas
nesse caso ela teria sido localizada facilmente, ou ela jamais deixara e
simplesmente estava escondida em algum lugar, muito provavelmente num desses
prédios abandonados. E embora uma boa parte de Tokyo-3 tivesse sido destruída,
havia ainda prédios suficientes para as pessoas procurarem por semanas e nunca
achá-la se ela não quisesse ser encontrada.
Essa análise da situação era muito ruim, mas eu me negava a desistir.
Aquela ponta de esperança era tudo que eu tinha sobrando. E se eu não a
encontrasse por mim, eu tinha que encontrá-la por ela mesma. Quem poderia dizer
se o que restava de Tokyo-3 não seria destruído pelo último Anjo?
Eu prossegui para o apartamento seguinte. A porta já estava aberta, o que
poderia ser um bom sinal. Uma porta aberta significava que teria sido fácil para
Asuka entrar e escolher esse lugar para se esconder. Eu sabia por uma
experiência recente que arrombar uma porta trancada não era nada fácil.
Minha esperança decaiu quando eu notei o estado do apartamento. Ele tinha
sofrido sérios danos com a explosão. Uma parede, assim como parte do teto,
estava faltando. Havia escombros por todo o chão. Olhando em volta, eu percebi
que o conteúdo da geladeira parecia na maior parte estragado. Não havia mais
água. A que estava na banheira provavelmente era da última chuva. Eu duvidei que
Asuka teria escolhido esse lugar para ficar.
"Você está procurando pela Segunda Criança, não está?"
Meu coração tropeçou, não esperando ouvir essa voz aqui. Eu me virei e vi
Nagisa no que tinha sido provavelmente a sala de estar daquele lugar. Ela
levantou uma mão que segurava um saco de papel.
"Algo para você comer. Eu notei que você estaria com fome, já que eu não o
encontrei na cantina."
Eu repentinamente lembrei que eu tinha dito que a acompanharia até lá...
isto é, antes de ela tocar na cruz de Rei...
"Não é feito em casa. Eu não tive tempo. Me desculpe."
Eu olhei para a garota novamente. Ela parecia muito séria. De fato... ela
parecia muito com Ayanami. Eu não pode evitar de me preocupar um pouco.
"Eu lhe peço desculpas. Eu não sabia a respeito da cruz. Eu só... queria
olhar melhor para ela."
Eu me lembrei da maneira como gritei com ela. Eu... eu provavelmente tinha
exagerado.
"Obrigado. Pela comida."
Eu não queria pedir desculpas. Depois de tudo, ela tinha pego minhas
coisas sem permissão...
Minhas coisas... desde quando eu considerava aquela cruz minha?
Obviamente, Rei gostaria que ela fosse minha, mas... simplesmente não parecia
certo.
Eu não me desculpei. Mas aquilo não quis dizer que eu tinha que ficar
bravo com ela. Seus olhos pareceram se animar quando ela notou a mudança em
minha expressão, relaxando e parando de olhar para ela com a cara fechada.
"É um prazer", ela respondeu, seu sorriso usual de volta à sua face.
A situação ainda parecia esquisita, no entanto. Com essa garota, eu nunca
tinha certeza de como agir e eu com certeza não sabia o que dizer. Então eu
peguei o saco que ela estava me oferecendo, fui até o que restara da cozinha e
limpei os escombros que estavam sobre a mesa e duas cadeiras. Em silêncio, eu a
convidei para juntar-se a mim.
O lanche que ela havia me dado era simples, um sanduíche de presunto e uma
garrafa de suco de laranja, mas do modo como meu estômago estava vazio, foi bem-
vindo. Eu não tinha imaginado que eu estivava tão faminto.
Eu mordi, achando o sanduíche bem mais saboroso do que usualmente, quando
ela falou novamente.
"Você realmente espera encontrá-la?"
Eu usei o tempo para mastigar antes de responder. O fato era... eu estava
me perguntando a mesma coisa.
"Eu não sei. Se ela não quiser ser encontrada, eu duvido que consiga."
"Então você espera que ela o veja e volte."
A garota ou era muito boa em 'ler' as pessoas, ou minhas esperanças
estavam dolorosamente expostas.
"Sim."
Sua face se fechou, obviamente pensativa.
"Você se contradiz. Você quer escapar da dor evitando contato com os
outros, mas você quer encontrar a responsável pela dor que está sentindo."
"Não é apenas culpa de Asuka..."
Não, não era apenas Asuka. Tantas coisas... os Anjos... Pai... eu...
"Ainda assim ela te machucou."
"Sim."
"E você deseja vê-la novamente?"
"Sim."
"Mesmo que isso signifique se machucar novamente?"
Eu não sabia o que pensar. Ela estava certa, eu sabia. Eu tinha me
decidido a evitar essa garota porque eu queria que ela se machucasse por outra
amizade que iria inevitavelmente trazer dor. Ainda assim, eu tentara descobrir
se Ayanami se lembrava de mim. E aqui estava eu, procurando por Asuka.
"... sim."
"Então, porque você não se abre para os outros?"
"Eu.. eu não sei..."
Um silêncio pesado se seguiu. Ela não disse mais nada, já que não era
necessário. Eu pude adivinhar a sua pergunta silenciosa. Se na verdade você não
pretende mais se machucar por essas garotas, porquê você continua me evitando?
Talvez porque... eu as amava, eu percebi. Era isso o que o amor
significava? Enfrentar a dor, pelo bem daqueles que amamos, para estar com eles?
Rei se sacrificou porque me amava. Asuka não tinha fugido porque acreditara que
eu seria mais feliz sem ela? Então, ela não estava machucando a si mesma muito
mais do que, sem saber, me machucava? Então... talvez o amor fosse mais uma
maldição do que uma bênção...
Conforme eu pensava sobre as relações que eu tivera com duas garotas muito
importantes, eu imaginei uma coisa...
"Nagisa, você... você é sempre legal comigo. Por quê? Por que você
continua tentando ser minha amiga?"
"Fazer as pessoas sorrir me traz felicidade. Mas me entristece ver um
coração puro tão pesado com tristeza, culpa e desespero. Eu quero aprender mais
sobre você, para que eu possa entender a sua dor, e fazer você sorrir
novamente."
"Você... quer me ver sorrir?"
Esse momento... parecia tão familiar...
'Sinto muito. Eu não sei como me sentir em momentos como esse...'
'Eu acho... que você poderia sorrir...'
Tinha eu me tornado... parecido com o que Rei havia sido?
Quando tinha sido a última vez em que eu sorrira?
"Sim."
"Por quê? Por que eu? Há tantas pessoas que são infelizes! Por quê
escolher a mim ao invés de outro? Por que não Misato? Ou melhor ainda, aquele
homem que costumava ser meu pai?"
Inconscientemente, eu estremeci com o pensamento de ver o Comandante
sorrir. Mas de certa forma... era também uma imagem interessante.
Eu suspirei. Eu não podia acreditar que eu ainda tinha esperanças por ele.
Eu jamais aprendia?
"Porque vale a pena amar você."
Eu lhe dei um olhar confuso. O que ela queria dizer com aquilo? Ela
parecia ter lido a minha mente ao responder a pergunta que não foi feita.
"Digo, eu te amo."
Eu congelei. Essa garota... tinha acabado de dizer que me amava. Eu me
senti em pânico. Não uma terceira vez... eu imaginei se fugir me tiraria
disso...
"Não..."
Eu repentinamente endureci quando senti suas mãos tocando as minhas. Meu
primeiro instinto foi puxá-las, mas o toque era quente...
"Isso é o que você quer, não é? Você só quer ser amado."
Era verdade, não era? Desde que eu deixara minha antiga vida, a salvo do
mundo exterior, eu tinha lutado para ser aceito. Pai. Misato. Meus amigos. Rei.
Asuka. E o amor era bem mais que aceitação...
"Sim."
"Mas você não acha que valha a pena alguém te amar."
"Todos aqueles que eu amei se machucaram..."
"Um único homem não pode controlar o destino dos outros."
Eu sabia que isso fazia sentido, mas...
"Eu vim aqui esperando encontrar um pai que tinha me abandonado. Eu só
encontrei um homem sem coração. Então, eu fiz amigos e conheci duas maravilhosas
garotas. Eu quase matei meu melhor amigo. Uma das garotas que eu amava esqueceu
tudo sobre mim. A outra, fugiu. Eu também conheci um homem que admirei, que era
como o pai que eu nunca tive. Ele morreu. Não é natural temer que se eu faça
novos amigos eu vá me machucar novamente? Eu não quero me machucar novamente..."
"Não é isso o que você disse antes. Você não se importava se a Segunda
Criança te machucasse novamente. Eu te pergunto, o que você mais teme? A dor ou
a solidão?"
Que pergunta... eu percebi que não tinha a resposta.
Eu finalmente movi minhas mãos e olhei para outro lado. Eu não podia olhar
mais para ela. Eu estava ficando cada vez mais confuso.
"Está ficando tarde. É perigoso ficar procurando no escuro. Nós deveríamos
voltar para nossas casas."
Eu não estou bem certo do quê tomou conta de mim. Talvez fosse o claro
desapontamento em sua voz. Mas eu repentinamente me senti a fim de correr algum
risco. Eu tinha que fazê-lo.
"Você ainda quer me ouvir tocar... Kaoru?"
"Eu gostaria muito... Shinji-kun."
Ela sorriu. Eu sorri de volta. Eu tinha me esquecido de como era isso. Foi
um sentimento confortável.
Então nós saímos dali e tomamos o caminho para meu apartamento.
* * *
Eu tentei não parecer desapontado quanto olhei para Kaoru. Ela estava
sentada em seus joelhos, reta, mas de olhos fechados. Eu imaginei que ela tinha
caído no sono. Sua face era a expressão da calma e serenidade, apenas perturbada
por um pequeno mas aparente sorriso. Ela não parecia ter nenhuma preocupação no
mundo. Pareceu-me simplesmente impossível que alguém pudesse parecer tão feliz.
Quando terminei minha performance, seus olhos se abriram, mostrando que
ela estivera bem acordada.
"Sua música foi excelente e deliciosa. Obrigada, Shinji-kun. Eu apreciei
cada momento."
Ela enfatizou suas palavras batendo palmas suavemente.
Eu enrubesci, embaraçado. Eu não estava acostumado a receber elogios sobre
a minha música. Eu sabia que Asuka e Rei pareciam ter gostado da vez que toquei
para elas, mas nós nunca realmente havíamos discutido isso. Embora eu soubesse
que precisava de mais prática e que estava longe da perfeição, eu temia receber
comentários negativos.
"Você não deveria manter esse talento guardado para si mesmo. Você deveria
tocar para que o mundo te ouvisse."
Eu fiquei ainda mais vermelho.
"Kaoru... eu... eu não sou tão bom..."
"Você é. Você só precisa confiar em si mesmo."
Eu engasguei com aquelas palavras... sabendo, lá no fundo, que eram
verdadeiras.
"Da próxima vez, você deveria tocar uma melodia mais alegre. Talvez isso
alivie a dor em seu coração."
"Obrigado... Kaoru."
Ela balançou a cabeça.
"Não. Obrigado a *você*, Shinji-kun. Foi um grande prazer te ouvir. Eu
apreciei imensamente o seu convite para entrar na sua casa e se abrir para mim."
"Bem... er..."
Eu não sabia realmente o que dizer. Era isso realmente o que eu estava
fazendo? Me abrindo com ela?
Os momentos seguintes pareceram realmente esquisitos, pois eu percebi
repentinamente que não sabia o que dizer.
"Está ficando tarde. Talvez eu devesse voltar para o meu apartamento."
Obviamente, a garota tinha notado que eu ainda não me sentia confortável
em sua presença.
"Poderia ser uma boa idéia..."
Muito inconvenientemente, quando Kaoru se preparou para ir embora, o som
de um trovão se fez ouvir do lado de fora. Quando eu olhei para a sacada, notei
que estava chovendo realmente forte. Eu olhei para Kaoru. Ela usava apenas o seu
vestido branco e um par de sapatos de verão leves. Com a destruição da maior
parte de Tokyo-3, não havia mais táxis na cidade. Se ela saísse com esse tempo,
ela ficaria encharcada e provavelmente ficaria doente.
Eu suspirei ao me dar conta que não podia, sem um peso na consciência,
deixá-la ir.
"Eu acho... que você poderia dormir aqui." Eu pensei um pouco e,
relutantemente, continuei, "o quarto de Asuka está vazio... você pode dormir na
cama dela... desde que você não toque em nada."
A garota assentiu.
"Você o está mantendo apenas para o caso dela voltar, não é?"
Dessa vez, eu assenti.
"É um pouco cedo para dormir ainda. Talvez você pudesse usar esse tempo
para me contar a respeito de você e das outras Crianças... se não for muito
doloroso..."
"Não, tudo bem."
Estranhamente, estava tudo bem mesmo. Eu me senti realmente bem ao ser
capaz de conversar com alguém a respeito das garotas e de como eu me sentia. Eu
contei a ela tudo sobre Rei e Asuka, como eu as conhecera, como nossos
relacionamentos se tornaram mais que colegas de trabalho ou amigos. Ela fez
muitas perguntas a respeito de nosso relacionamento. Ela até mesmo perguntou se
eu fizera sexo com elas, ao que eu respondi enrubescendo. Eu rapidamente tentei
mudar de assunto.
"Por quê você veio para a NERV? Digo... você sabia o que aconteceu com os
outros pilotos..."
"Era o meu objetivo."
"Seu objetivo?"
"Sim. Eu vim para cá porque havia algo que eu devia fazer. Uma necessidade
que precisa ser preenchida, à qual eu não posso resistir, que de outra forma vai
me consumir por dentro."
"Ah..."
Então era por isso que ela aceitara pilotar o EVA? Era bem vago. E, eu não
sabia porque, parecia perturbador.
"Por quê você pilota, Ikari-kun?"
Eu hesitei com essa pergunta. Eu a tinha ouvido antes, e nunca tinha sido
capaz de dar uma resposta direta, porque as minhas razões ficavam sempre
mudando. Finalmente, eu apenas suspirei e fiz o que parecera funcionar antes:
contei como me sentia a respeito.
"Eu... eu não tenho certeza mais. Da primeira vez que pilotei, fiz isso
para salvar a vida de Rei. Depois, pilotei porque me mandaram. Eu também queria
ganhar o respeito de meu pai, fazê-lo saber que eu existia. Eu nunca consegui.
Depois, percebi que eu deveria pilotar para proteger aqueles que eu amava. Mas
no fim, eu os perdi de qualquer jeito. Agora... eu acho que só procuro o fim. Só
mais um Anjo, uma última vez."
Os olhos de Kaoru se estreitaram, uma expressão séria em sua face.
"Entendo. E o que você vai fazer uma vez que tenha derrotado o último
Anjo?"
"Se eu ainda estiver vivo... eu acho que vou tentar encontrar outra razão
para viver..."
Nós dois repentinamente ficamos em silêncio. Era meio perturbador ver
Kaoru sem sorrir...
"O que a cruz de prata que você usa significa?"
Eu puxei a cruz de baixo das minhas roupas e olhei para ela.
"Ela era de Rei. Ela a deixou comigo, antes da batalha com o Décimo Sexto
Anjo. Eu acho que ela queria que eu ficasse com isto. Então eu uso."
Nós ficamos conversando por algum tempo. Eu então falei de minha mãe e de
meu pai. Eu também falei de Misato e Kaji. Enquanto conversávamos, eu depois
descobri que Kaoru nunca tivera pais. Naquela hora, eu imaginei que eles a
teriam abandonado ou morrido por causa do Segundo Impacto. Era um assunto a
respeito do qual ela parecia desconfortável, e por isso ela levou algum tempo
escolhendo as palavras apropriadas, então eu decidi não pressioná-la muito. Além
disso, já era tarde o suficiente para dormir. Eu mostrei a ela o caminho para o
quarto de Asuka, e então fui para o meu. Quando fechei a porta, soltei um longo
suspiro e me deixei cair na cama. Eu rolei para o lado e fiquei olhando para o
teto, como eu tinha feito muitas vezes antes.
Ela estava certa. Eu estava bem vagarosamente mas certamente me abrindo
para ela.
Era isso um erro? Eu não tinha certeza. Ela parecia tão boa, sem malícia.
Como ela poderia me machucar?
Da mesma maneira que Rei e Asuka tinham feito antes, sendo levadas de mim
ou indo embora.
Mas... esta noite... pela primeira vez no que parecera uma eternidade...
eu não tinha me sentido sozinho. E... eu não queria me sentir sozinho mais. Era
por isso que eu estava me abrindo para ela? Uma garota que eu mal conhecia? Era
eu tão patético que qualquer um serviria, desde que me fizesse esquecer a
solidão em meu coração?
O que eu verdadeiramente temia mais? Dor ou solidão?
Então, um pensamento me ocorreu. Um pensamento muito perturbador. Era esse
medo da solidão a verdadeira razão pela qual eu adiara a minha escolha entre Rei
e Asuka por tanto tempo?
* * *
Eu estava sentado em uma cadeira, numa sala escura. A única luz que havia
me cercava, criando um pequeno círculo de no máximo dois metros de diâmetro à
minha volta. Tudo mais estava na escuridão, e eu não podia ver de onde vinha a
luz. Eu não sabia como tinha vindo parar ali. Tudo que eu sabia era que eu
estava com medo. Não deste ambiente estranho. Era outra coisa. Uma poderosa
sensação de temor. Algo estava prestes a acontecer.
E de fato aconteceu. E era pior que qualquer coisa na qual eu poderia ter
pensado.
Imagens apareciam diante de mim. Elas não vinham de um projetor, nem
apareciam numa tela, Elas simplesmente estavam ali. Mas eu não fiquei imaginando
quais as suas origens. Eu me senti estremecendo ao reconhecer as imagens.
A Unidade-01, tentando lutar com o Décimo-Sexto Anjo. Era uma cena que
estava gravada bem no fundo do meu ser. Conforme a armadura da Unidade-01
derretia, ela soltava o verme gigante de luz. Ela se preparou para se desviar de
um novo ataque quando repentinamente, o verme congelou. Do outro lado do Anjo, a
Unidade-00 se enrolou sobre a parte do Anjo que estava conectada com ela.
"Não!"
Eu não queria ver o que aconteceria em seguida. Então eu fechei meus
olhos.
Mas então eu ouvi as palavras.
'Rei! Faça o que Misato está dizendo!'
'É muito tarde...'
'Rei!!!'
Eu abri meus olhos para ver a Unidade-01 correr até a Unidade-00. Mas eu
já sabia que ela não a alcançaria a tempo.
'Shinji... o que quer que aconteça... nunca esqueça... que eu te amo.'
'NÃO! Rei! Não faça isso! REI!!!'
'Eu te amo...'
Eu fui cego pela explosão da Unidade-00, e então as imagens desapareceram
e tudo ficou escuro novamente.
"Você me deixou morrer."
"Rei!"
Eu me virei para ver Rei, de pé atrás de mim, vestindo seu uniforme como
sempre. Ela era a única coisa que eu podia ver na escuridão.
"Depois do Décimo Quinto Anjo, você jurou que você não deixaria outro Anjo
nos machucar, mas você falhou em me proteger e então eu tive que morrer."
"Eu fiz tudo que eu podia!"
"Não, você não fez. Você poderia tê-lo destruído."
"Se eu o atacasse eu machucaria você!"
"Você agiu da mesma maneira com o Décimo Terceiro Anjo. Você teve medo de
nos machucar, então você nos deixou morrer ao invés disso. Eu não tive tanta
sorte quanto Suzuhara."
Pronto, ela tinha dito. Um pensamento que estivera me caçando
incessantemente desde aquele dia, algo que eu me recusava a enfrentar, até mesmo
pensar a respeito. Talvez atacar o Anjo a tivesse machucado, mas no fim, teria
salvo a sua vida.
"Não... eu... Rei... eu..."
Eu tentei olhar para outra direção. Ela simplesmente apareceu na minha
frente, agora vestindo o plug suit, sua pele coberta de machucados que tinham
sem dúvida causados pelo Décimo Sexto Anjo.
"Você me matou."
"Rei!"
Eu pulei em sua direção, tentando alcançá-la, perdido, confuso, cheio de
culpa. No entanto, quando a ponta de meus dedos a tocou, todo o seu corpo
explodiu em chamas. Eu vi sua pele tornar-se preta como o carvão, e rapidamente
cair de seus ossos, os quais rapidamente se tornaram não mais que uma cinza
preta, que desapareceu na escuridão.
"Rei! Rei!"
Eu caí no chão, chorando.
"Você nunca me amou. Você só amou ela."
Eu olhei para cima chocado, para ver Asuka olhando para mim, sua face
cheia de lágrimas. Seu uniforme de escola estava sujo e um pouco rasgado. Ela
estava pálida, parecia ter perdido algum peso e círculos escuros em volta de
seus olhos mostravam que ela estava próxima à exaustão. Ela não parecia com
fome, embora seu olhar fosse frio como gelo e mostrasse quão seriamente ela
dissera essas palavras.
"Isso não é verdade Asuka! Eu te amo!"
"Você nunca mostrou isso."
Ela não teria me machucado mais se tivesse usado uma faca.
"Mas eu amo você! Aquela noite não foi prova suficiente?"
"Você só teve pena de mim. Além disso, deve ter sido apenas uma rapidinha
para você. Você já tinha feito isso com Rei antes. Eu sabia. Você sabia demais.
Como me tocar nos lugares certos, como me agradar. O quão gentil você foi para
não me machucar. Você traiu a minha confiança."
Eu engasguei. Ela sabia...
"Asuka... eu... eu... eu realmente te amo..."
"Não importa. Você também a ama."
"Mas ela está morta!"
"Então você quer que eu a substitua? Que eu tome o lugar nela na sua
cama?"
"Não! Não... é que... não é isso... eu... eu..."
Lá no fundo, eu sabia que ela estava certa. Não era justo da minha parte
procurar pelo amor dela agora que o de Rei se fora. Trocando de uma para
outra... isso era errado. Eu estivera errado desde o começo...
"É muito tarde. Eu vou embora agora."
Asuka colocou a mão em seu bolso e puxou uma longa faca de cozinha. Eu
olhei com horror quando ela apoiou a lâmina em seu pulso.
"Eu nunca mais vou te incomodar. Nunca."
Meu Deus!
"Não!"
Antes que eu pudesse me mover, a lâmina passou suavemente e profundamente
pela pele e pela carne, abrindo veias e deixando o seu sangue sair livremente de
seu corpo, para a escuridão.
"Asuka!"
Quanto eu a toquei, tentando segurar seu pulso para parar o fluxo de
sangue, todo o seu corpo entrou numa erupção de sangue quente, me cobrindo dos
pés à cabeça.
Eu gritei.
* * *
Eu pulei acordado, num estado entre o sonho e o despertar, temendo a
escuridão do meu quarto. Eu entrei em pânico, ao perceber que mal podia me
mover; no meu pesadelo, eu tinha conseguido me prender em meus próprios lençóis.
Eu estava me sentido como um animal que caiu numa armadilha. Eu tentei me
arrastar para fora, afastando os lençóis com os pés, me esforçando para libertar
os meus braços, soluçando e chorando. Eu não parei até que estivesse finalmente
livre. Eu não parei até que senti duas mãos segurarem meus braços, o peito de
alguém pressionado contra as minhas costas e um hálito quente em meu pescoço. Eu
quase saí do controle de novo, o medo tomando conta de minha mente quando eu
ouvi aquelas palavras suaves e calmantes.
"Está tudo bem. Acabou. Não há nada a temer. Você está acordado agora."
As palavras passaram pela neblina em minha mente. Sonho. Tinha tido sido
um sonho. Não... um pesadelo.
Eu percebi que estava sentado em minha cama, minha camisa quase ensopada
de suor, dois braços me segurando forte. Então, memórias do sonho voltaram à
minha mente. Eu mal suprimi as lágrimas que ameaçaram tomar conta de mim.
"Shinji. Não faça isso consigo mesmo."
Eu virei minha cabeça para olhar para Kaoru. Ela tinha um olhar triste em
sua face. De fato, eu me surpreendi ao ver uma lágrima caminhar silenciosamente
pela sua pele branca. Parte de minha mente notou que ela estava na verdade nua,
mas naquele momento, isso parecia a coisa que menos importava no mundo.
"Tanta dor e tristeza. Não mantenha isso dentro de você. Está tudo bem em
chorar. Bote tudo para fora. Bote para fora."
Eu olhei para aqueles olhos vermelhos cheios de lágrimas. Lágrimas que ela
soltava porque podia sentir quão profunda era minha dor. Foi tudo o que
precisei. Eu chorei novamente, desta vez apoiado em seu peito, chorando todas as
lágrimas que haviam sido deixadas dentro de mim.
Eu chorei por algum tempo. Eu não sei quanto. Mas o tempo todo, ela me
segurou forte, me dizendo coisas que eu não entendia realmente; não importava, o
som de sua voz me trazia conforto. Quando meus soluços acabaram, ela tirou a
camiseta que eu estava usando, dizendo que eu não deveria dormir com roupas
molhadas. Eu não a parei, me sentia drenado. Como se eu fosse uma criança, ela
me fez deitar na cama e arrumou o cobertor, para que eu ficasse quente. Então,
ela se curvou sobre mim e beijou minha testa, um gesto que eu não vira em muitos
anos, desde que minha mãe desaparecera. Ela teria provavelmente ido embora, se
eu não tivesse segurado seu pulso.
"Não me deixe sozinho. Por favor... estou com medo... eu não quero ficar
sozinho..."
Ela sorriu e tomou seu lugar debaixo do cobertor a meu ledo. Então, ela me
envolveu com seus braços e me segurou forte.
"Obrigado..."
Enquanto estávamos ali, eu me senti em paz. Seu corpo nu era quente e
confortável junto às minhas costas, seu abraço... seguro.
Logo, eu fui capaz de dormir novamente, mas dessa vez, eu só tive sonhos
maravilhosos.
Em retrospecto, ao rever aquela noite, eu aprendi muito...
* * *
Eu acordei para perceber que algo estava faltando. Levou algum tempo para
eu perceber exatamente o quê. Só depois que eu me lembrei dos acontecimentos da
noite anterior eu entendi o que era. Kaoru tinha ido embora.
Eu me levantei e olhei pelo apartamento. Sem sinal dela. Eu olhei para
fora. Ainda estava de noite, então ela provavelmente tinha acabado de sair.
Provavelmente tinha sido isso que me acordara.
Ela tinha sido tão boa comigo, apesar de todos os meus esforços para
afastá-la. Eu me arrependi de ter agido dessa maneira. Ela merecia mais.
'Porque você merece ser amado.'
'Quero dizer, eu te amo.'
Ela dissera que me amava. E ela tinha mostrado isso. Eu me senti
agradecido, mas... eu não pensava que eu poderia corresponder àquele sentimento
um dia. Ela não parecia, no entanto, estar pedindo por nada em troca, exceto que
eu me abrisse para ela.
E eu percebi que eu me sentia a fim de fazer isso. No fundo da minha
mente, uma voz estava tentando me avisar de que isso era um grande risco. Eu a
ignorei. Até que eu pudesse sber se eu estava pronto para mais, se eu poderia
sentir mais, eu iria considerar Nagisa Kaoru apenas uma amiga.
'Se ela é sua amiga, então porque ela foi embora tão de repente, sem
nenhuma palavra?'
Novamente, eu ignorei aquela parte de minha mente. Se eu a ouvisse, eu
iria ficar sozinho para sempre. Então eu me concentrei em assuntos mais
urgentes. Eu fui para o banheiro.
Meu celular escolheu exatamente aquele momento para vir à vida. Irritado,
eu simplesmente o ignorei e continuei meu caminho. Agora que eu tinha me
decidido a ir ao banheiro, eu percebera o quanto eu precisava realmente ir. ele
continuou tocando. Eu suspirei, frustrado, e fui atender. Era melhor que fosse
urgente...
"Alô?"
"Shinji!" disse uma voz que eu reconheci como sendo de Hyuuga.
"Finalmente! Onde você está?"
"Em casa..."
"Ótimo! Eu estou mandando a Segurança ir te buscar! Se apronte!"
A comunicação acabou. Era estranho. Tanta urgência. Isso poderia
significar realmente só uma coisa. O Décimo Sétimo Anjo.
Finalmente!
Eu corri para colocar algumas roupas, depois de uma rápida passada no
banheiro, e saí do apartamento, onde encontrei dois agentes da Segurança. Eles
não perderam tempo em me falar "Siga-nos", o que eu fiz.
Eu fui levado rapidamente ao quartel-general. O tempo parecia ser
essencial, o que reforçou a minha convicção de que isto era um ataque de Anjo,
mesmo que desta vez as sirenes estivessem em silêncio. Então assim que eu
cheguei ao quartel-general da NERV, eu corri para o vestiário e me apressei em
vestir o plug suit. Eu só hesitei quando chegou a hora de colocar as minhas
interfaces neurais. Eu olhei para elas por um segundo, e então as coloquei de
volta no armário e peguei um par de familiares interfaces vermelhas ao invés
disso...
* * *
Eu engasguei quando a rápida introdução de Misato acabou. Eu sentia como
se meu coração tivesse sido esmagado dentro de meu peito.
Kaoru... um Anjo... não, não podia ser...
Não Kaoru. Ela era tão gentil... ela não tinha nada em comum com aqueles
monstros.
"Isso não é verdade... não pode ser verdade..."
Mas a maneira como ela agiu quando eu mencionei matar o último Anjo...
"É. Você deve matá-lo."
Matar Kaoru... matá-la?
"Não."
Eu desativei o EVA. Eu sabia que o pessoal na Sala de Controle estava
provavelmente tentando reativá-lo, mas eles não conseguiriam.
"Shinji! O que você está fazendo?!" Misato parecia estar entrando em
pânico.
"Você vai reativar a Unidade-01 imediatamente."
Estranhamente, para mim, a voz do Comandante não parecia mais carregar
tanto poder.
"Para quê? Para ir lá embaixo e matar minha amiga?"
Minha amiga... sim, Kaoru era minha amiga. Mas... ela tinha dito que me
amava. Como poderia ser isso se ela era um Anjo? Teria ela mentido para mim?
Isso realmente importava? Eu pensei a respeito dos eventos do dia anterior, como
bom tinha sido estar com ela. Como eu não me senti mais solitário.
A natureza dela não importava, eu decidi.
Além disso... não havia como eu poderia matar outro ser humano a sangue
frio.
Mesmo se ele também fosse um Anjo.
"Correto."
"Vai pro inferno! Você feriu o Touji! Você deixou a Asuka sofrer! Você
tirou Rei de mim! E agora você quer que eu mate Kaoru? Seu filho da puta sem
coração! Se não fosse o nome da minha mãe, eu teria vergonha de ser um Ikari!"
Houve um silêncio sepulcral depois que eu disse essas palavras. Eu mesmo
estava atordoado. De onde essas palavras tinham vindo? Ikari não era... o nome
do meu pai? Como eu sabia disso?
Não que realmente importasse.
"Eu não vou matar Kaoru... não vou..."
"Então todos vão morrer."
Não havia tanta certeza na voz do Comandante como usualmente. Mas eu não
percebi.
"Eu não me importo... talvez seja melhor desse jeito..."
O silêncio seguinte foi cortado pela voz de Hyuuga.
"Alvo passando do nível três!"
"Shinji! Eu... eu não quero morrer..."
Misato?
"Você não quer que a dor acabe, Misato?"
"Eu não quero morrer... porque... porque... eu estou... eu estou
grávida..."
Eu engasguei e ouvi reações similares pelo sistema de comunicação.
"Eu estou carregando um filho de Kaji... eu não quero que ele morra..."
Misato grávida? Filho de Kaji? Isso trouxe de volta algum sentido para
mim.
Repentinamente, a Unidade-01 foi ativada. Mas eu não tinha querido que ela
fizesse isso. E Eu sabia que não era a NERV que estava fazendo isso também.
"Mãe..." eu sussurrei, antes de suspirar levemente. "Tudo bem, nós
vamos..."
Eu não queria fazer aquilo. Mas eu não tinha escolha. Talvez eu
encontrasse outra maneira quando alcançasse Kaoru.
"Evangelion Unidade-01, lançar!" eu finalmente gritei, ao ir atrás de
minha amiga.
* * *
Seguindo instruções, eu rapidamente movi o EVA até um elevador que parecia
ir para baixo até *muito* fundo. Eu não podia ver o fim daquilo. Não importava.
Sem pensar duas vezes, eu pulei.
Eu caí muito rapidamente e logo vi a Unidade-02, flutuando vagarosamente
para baixo. Kaoru flutuava ao seu lado. Eu nunca realmente parei para pensar
*como* ela e a Unidade-02 podiam de fato flutuar.
"Kaoru!"
Quanto eu cheguei perto, as mãos da Unidade-01 e da Unidade-02 se juntaram
com força, combatendo, os dois gigantes se esforçando para dominar. Eu só
percebi depois que eu tinha parado de cair e flutuava junto com a Unidade-02.
"Eu estive esperando por você, Shinji."
Eu também não ponderei como era possível eu ouvir a voz dela de dentro do
entry plug. Eu a ouvia e esse fato por si só já era o suficiente.
O que eu notei no entanto foi a expressão em sua face. O sorriso feliz
havia sumido. Era uma expressão fria. Uma que eu geralmente associaria com
Ayanami.
"Porquê Kaoru?! Porque você está fazendo isso? Você me traiu?! Você disse
que me amava... era só para que você pudesse me manipular como todo mundo faz?!"
"Não Shinji. Meus sentimentos são genuínos. Mas isto é algo que eu preciso
fazer."
"Kaoru! Não! Você... você não pode ser um Anjo..."
"O EVA é feito do mesmo corpo que eu. Porque eu também sou o Natus de
Adamo. Quando a Unidade não tem uma alma, eu posso me unir a ela. A alma desta
unidade está se fechando agora. Eu posso usá-la como quiser."
"Kaoru!"
Naquele momento, eu sabia que não importava o que eu dissesse, ela não
ouviria.
Ela era um Anjo.
Se ela tinha algo a fazer, o mesmo se aplicava a mim.
"Sinto muito, Asuka..."
O compartimento do ombro esquerdo da Unidade-01 se abriu para revelar a
sua faca progressiva. A Unidade-02 fez o mesmo. Ambos os EVAs pegaram suas
armas. Eu logo me vi não atacando como tinha planejado, mas me defendendo. As
duas lâminas se encontraram, liberando uma chuva de energia brilhante. Com mais
força, ambas as lâminas foram subitamente tiradas do equilíbrio. Eu engasguei em
horror ao perceber que a minha lâmina estava indo na direção de Kaoru. Eu fiquei
chocado ao vê-la ser parada a um metro de Kaoru por um AT-Field.
"UM AT-FIELD?!?!"
"Sim. Vocês Lilims o chamam assim. A região sagrada que não deve ser
invadida por ninguém. A luz da mente. Vocês, Lilims, estão cientes disso,
cientes que o assim chamado 'AT-Field' é a muralha da mente que todos têm."
Eu não entendi, e não me importava.
Eu gritei, ao sentir uma dor repentina em meu peito. A Unidade-02 tinha
acabado de esfaquear a Unidade-01 no peito. Eu retaliei, enfiando a minha
própria faca em seu pescoço, a ponta da lâmina saindo do outro lado.
A Unidade-01 e a Unidade-02 forçaram por alguns segundos. Eu rangi meus
dentes ao sentir a dor da faca progressiva da Unidade-02 sendo empurrada mais e
mais fundo no peito da Unidade-01.
De repente, nós caímos e atingimos o chão com força, o impacto criando uma
nuvem de poeira e sujeira. Quando eu fiz o EVA atordoado se levantar, percebi
que Kaoru estava se afastando.
"Kaoru! Pare!"
Eu estava a ponto de ir atrás dela quando eu senti algo prender a perna
esquerda do EVA no lugar. A Unidade-02 tinha acabado de agarrá-la...
Com um grito de guerra, eu terminei minha luta com a Unidade-02.
Novamente, ela esfaqueou meu peito, mas desta vez, eu enfiei minha faca em sua
cabeça. Isso não a parou como eu esperara. Repentinamente, eu senti um impacto
em meu EVA, algo similar com uma onda de choque, mas diferente.
"O que diabos?!"
Eu então senti meu adversário ficar completamente inerte. Ou eu o tinha
finalmente parado, ou o controle de Kaoru sobre ele tinha acabado. O que quer
que fosse...
Vagarosamente, eu andei na direção que eu vi Kaoru ir. Eu não estava com
tanta pressa assim para confrontá-la e meu peito ainda doía.
Eu silenciosamente me engasguei ao ver Kaoru flutuando em frente a um
gigante branco, sobre um lago que eu suspeitava ser LCL. Rapidamente esqueci
aquela cena no momento em que estendi a mão de meu EVA e agarrei Kaoru. Ver uma
centena de clones da sua namorada morta tende a fazer esse tipo de coisa menos
impressionante.
"Eu vejo que você derrotou a Unidade-02. Obrigado, Shinji. Eu poderia, de
outra forma, ter vivido nela."
"Kaoru, por quê?" eu perguntei novamente, esperando ouvir uma resposta que
facilitasse minha decisão.
"Eu fui destinada a viver eternamente, mesmo que a humanidade fosse
aniquilada como resultado. No entanto, eu sou capaz de morrer. Ser ou não ser.
Não faz diferença para mim. Minha morte é a única liberdade verdadeira."
Eu engasguei. Não...
"Kaoru! Você não pode... você não pode estar me pedindo para te matar? Eu
não vou... eu não posso..."
"Shinji... se eu viver, então toda a humanidade vai morrer. Se eu morrer,
então você, e todos os outros homens, mulheres e crianças terão uma chance de
lutar pelo futuro. E se vocês tiverem sucesso no julgamento que ainda virá...
então nós nos encontraremos um dia."
"Não! Com certeza... há um meio de evitar isso. Volte comigo. Nós podemos
ir embora. Você poderia esquecer tudo sobre isso. Você não tem que fazer
isso!!!"
"Não, Shinji. Meu verdadeiro nome é Tabris. Eu sou o Anjo do Livre
Arbítrio. É por isso que eu tenho essa forma. Diferentemente de meus irmãos, eu
posso escolher meu destino, assim como vocês Lilims fazem todo dia. Mas o preço
do Livre Arbítrio é a responsabilidade. Quando você faz uma escolha, você deve
aceitar as conseqüências do caminho que escolheu. Eu não podia mais resistir ao
chamado de Adão, então eu deixei a vida de Nagisa Kaoru para trás e agora aqui
estamos. Você escolheu vir até aqui para me parar. Agora é a hora de você
aceitar o resultado de sua escolha."
"Kaoru! Eu não posso!"
"Por favor Shinji. Um deve viver e o outro deve morrer. Você deve viver.
Este é o meu desejo. Shinji... eu estou feliz por ter te conhecido. Vocês Lilims
têm vidas frágeis, e por isso as suas emoções são muito fortes. Eu posso
entender você melhor agora, Shinji. Vocês são tão bonitos. Especialmente você,
Shinji. O seu coração é tão sensível que você é sobrecarregado pela dor da
existência. Mas não esqueça que há mais do que apenas dor. Não tenha medo de se
abrir, mente, corpo, coração e alma, para aqueles que você ama. Mesmo que seus
AT-Fiels os separem uns dos outros, ainda é possível para dois seres se
conectarem. Vocês Lilims não deveriam ir além; esta é a verdadeira
instrumentalidade da humanidade."
"Eu... eu não entendo o que você está tentando dizer..."
"Você irá, na hora certa."
"Kaoru!"
"Mais algumas palavras como presente de despedida. Shinji, há muitas
maneiras de amar. É possível amar duas pessoas, de maneiras similares, e ainda
assim diferentes. É correto. Mas para você ser verdadeiramente feliz, você deve
encontrar o amor que você tem de mais importante, o que o fará sentir-se
completo. Não hesite. Se você continuar a amá-las, elas não vão te odiar. Mas
para seu próprio bem, você deve escolher. Agora... a hora chegou. Você precisa
fazer o que é necessário fazer, e não deixe seu coração se encher com a culpa.
Esta é a coisa certa a fazer, e seu coração não deveria ser destruído como
resultado disso. Obrigado Shinji... adeus..."
Ela estava sorrindo novamente.
A garota fechou seus olhos e esperou por seu destino.
Não... não uma garota... um Anjo. Isto é, isso é do que eu tentava me
convencer. Eu fechei meus olhos e tentei me lembrar de todos os meus encontros
com os Anjos, todas as vezes que eles causaram tragédia na minha vida.
O Primeiro Anjo. Ele destruiu metade da humanidade. Matou o pai de Misato.
Por causa dele, eu eventualmente acabei perdendo minha mãe e meu pai.
O Terceiro Anjo. Ele quase matou Rei. Ele tentou me matar, machucou a irmã
de Touji.
O Quinto Anjo. Rei quase se sacrificou para me salvar dele.
O Oitavo Anjo. Eu salvei Asuka por um triz daquela vez.
O Décimo Terceiro Anjo. Touji perdeu um braço e uma perda por causa dele.
O Décimo Quarto Anjo. Ele quase matou Rei e Asuka.
O Décimo Quinto Anjo. Ele violentou a mente de Asuka. Ela tinha ido embora
por causa dele, eu tinha certeza.
O Décimo Sexto Anjo. Para matá-lo, Rei desistiu de sua própria vida.
Cada vez que eu me lembrava de como um Anjo tinha trazido dor às nossas
vidas, minha ira crescia. O suficiente para esquecer a garota que eu tinha
conhecido como Kaoru e ver um monstro em seu lugar.
Eu estava tão furioso que eu não me lembro de querer que a mão da Unidade-
01 se fechasse. Eu mal senti alguma resistência.
Quando abri meus olhos, a ilusão se foi. Quanto eu abri a mão do EVA, eu
não vi os restos de um monstro. Só uma massa vermelha. Sangue. Minhas mãos
estavam verdadeiramente cobertas de sangue agora.
Eu tinha matado. Mas ela tinha dito que era a coisa certa a fazer. Isso
não me fez me sentir melhor.
Eu ainda estava chorando em silêncio quando eles me tiraram do entry
plug...
* * *
Novamente, eu estava de pé, na frente do Lago Tokyo-3.
Como eu tinha prometido a mim mesmo, eu tinha derrotado o Décimo Sétimo
Anjo. Mas esta vitória não tinha me trazido nenhuma alegria.
Eu estava agora ainda mais solitário do que antes.
E agora eu era um verdadeiro assassino.
O pensamento me deixava enjoado.
Qualquer sinal de inocência que eu tinha havia sido arrancado fora no
momento em que Kaoru morreu.
Kaoru...
Quão vívidas minhas memórias dela pareciam ser...
Kaoru, sorrindo para mim.
Kaoru, me ajudando a sair do entry plug.
Kaoru, me trazendo comida.
Kaoru, ouvindo a minha música, um ar de calma e serenidade em sua face.
Kaoru, me aplaudindo por tocar.
Kaoru e eu, falando de nós mesmos.
Kaoru, me abraçando, me fazendo sentir-me quente e a salvo.
Ao me lembrar de todos aqueles momentos felizes, eu percebi... eu sentiria
muita falta dela. Eu não tinha percebido o impacto que ela tivera em minha vida
até que ela se fora.
Eu não a amava. Mas com o tempo, eu teria amado.
Mas eu nunca vou ter a chance de saber com certeza.
"Shinji..."
Eu fui surpreso por ver Misato de pé ao meu lado. Ela parecia realmente
sentir muito por mim.
"Primeiro Rei e agora Kaoru... elas morreram para salvar a minha vida.
Touji quase morreu também. Misato... eu não quero que mais ninguém se machuque
por minha causa..."
"Eu sei, Shinji."
"Porque sempre sou eu que fico vivo? Porque as pessoas têm que se
sacrificar por mim? Eu não valho a pena! Minha vida não vale tanta dor. Eu
deveria ter sido o que morreu. Talvez ainda haja tempo de pôr um fim à dor."
"Shinji!"
Eu engasguei ao sentir a mão de Misato atingir minha face.
"Não se atreva a dizer isso, Shinji! Não ouse! Se você morrer agora, então
todo o sacrifício que seus amigos fizeram se tornaria sem sentido! Não os
desgrace!"
As palavras me atingiram ainda mais forte que sua mão. Eu nunca tinha
pensado nas coisas dessa maneira.
"Misato..."
"Hoje, você conheceu a tragédia da guerra. A guerra não é boa nem ruim. É,
simplesmente. Deve-se lutar para sobreviver. No entanto, a vitória muitas vezes
não oferece razão para comemorar, pois ela pode ter um grande custo. A única
coisa que você pode fazer é seguir em frente. É a única boa coisa que pode vir
disso."
Aquelas palavras pareceram corretas. Elas não traziam muito conforto, mas
elas me davam um objetivo...
"Mesmo que todos os Anjos tenham sido derrotados, eu sinto que esta guerra
ainda não acabou. A humanidade ainda pode depender de você, Shinji. Então nós
precisamos que você seja forte..."
Gentilmente, Misato acariciou sua barriga.
"... e você precisa ser forte por si mesmo, assim como por aqueles que
você ama."
Aqueles que eu amo...
"Você acha que não tem esperança, mas está errado. Nem tudo está
perdido... pelo menos, eu espero que não." Ela tocou sua barriga novamente, de
leve. "Sala 303, Shinji. A enfermaria. Eu não tenho certeza se algo pode ser
feito, mas... às vezes o melhor que podemos fazer é tentar."
A enfermaria?
"A... Asuka? Você encontrou a Asuka?!"
"Sim. No entanto, isso pode ter algo a ver com a perda da Quinta Criança."
Eu não me importava com a razão. Tudo com o que eu me importava era que
Asuka estava de volta.
Talvez ainda houvesse esperança. Depois de tudo, a noite sempre dá lugar
ao nascimento de um novo dia...
[Continua...]
Dá próxima vez:
Capítulo 12 - End of Evangelion
Vida. Morte.
Escolhas.
O desafio final da NERV.
Pode o destino ser mudado?
Pode a NERV e as Crianças vencerem contra todas as chances?
Ou o mundo como conhecemos chegará ao fim?
Omake (por Daniel Snyder):
Lá no fundo, eu sabia que ela estava certa. Não era justo da minha parte
procurar pelo amor dela agora que o de Rei se fora. Trocando de uma para
outra... isso era errado. Eu estivera errado desde o começo...
"É muito tarde. Eu vou embora agora."
Asuka colocou a mão em seu bolso e puxou...
"WAAAARK!"
"Pen-chan e eu nunca mais vamos te incomodar. Nunca."
Meu Deus! Não!
"Não! Não... não Pen-Pen!!!"
Notas do Autor:
(1) Tirado do terceiro volume do mangá, uma mistura da edição em
inglês com a versão em francês. Shinji disse essas palavras para
Rei, depois de tirá-la do entry plug superaquecido, ao ajudá-la a
andar para a equipe de resgate.
(2) O plural de "Dummkopf" seria "Dummkoepfe" (ou "Dummköpfe"). No
entanto, Shinji não saberia disso...
(3) Se dermos uma boa olhada em algumas figuras oficiais de NGE (não
fanarts) pode-se notar que o plug suit de Kaoru é igual ao de
Shinji, exceto pelas cores. O mesmo vale para Touji. Daí, pode-se
imaginar que haja um design padrão feminino também. No
entanto... Rei e Asuka têm plug suits diferentes. Com Asuka sendo
a piloto do primeiro modelo de produção, parece correto dizer que
o design do plug suit dela seria o padrão. Isso foi mais ou menos
confirmado por fanarts de Hikari, Maya, Ritsuko e Misato usado
plug suits; todas elas tomando por modelo o suit de Asuka.
Bem, este é o retrabalhado e reorientado Capítulo 11. Eu me sinto de fato
mais feliz com ele. Parece muito mais com um capítulo de TOILI agora.
Para aqueles que imaginam do que eu estou falando, bem, é simples. Como é
possível ver nos outtakes (N. do T.: partes retiradas do texto original), Shinji
e Kaoru no capítulo original estavam um pouco... mais próximos... (em outras
palavras, fizeram sexo sem sentido). Isso teve o indesejável efeito de fazer
Kaoru não apenas anormalmente excitada para um Anjo, mas também ela pareceu
manipuladora demais, talvez conseguindo ainda menos simpatia que o Kaoru
original. Citando um dos meus leitores: "Kaoru é uma vagabunda". Bem, pode ser
um pouco demais, mas isto carrega o sentimento de incômodo que algumas pessoas
sentiram e que eu próprio senti, no entanto, em muitas ocasiões, isso pode
também ter sido sobre Shinji ter traído tão facilmente as garotas que amava.
Solução para esse problema? Refazer Kaoru. Depois de tudo, nós somente a
vemos de fato neste capítulo, então isso foi fácil de fazer. Graças a algumas
discussões, eu eventualmente criei um novo modelo em minha mente: uma fusão
entre Rei e Belldandy, da série Ah! Megami-sama! que resultou em uma Kaoru mais
calma, mais gentil às vezes desapercebida (o que me deu a oportunidade de
aliviar partes onde a Kaoru original só tinha sexo na cabeça), mas também muito
direta e perceptiva. Eu não sei se fiz um bom trabalho ao criar isso, mas eu me
sinto muito mais à vontade com este capítulo. Agora eu posso seguir em frente...
Para aqueles que estão se perguntando a respeito do título, 'Onde Os
Anjos Temem Pisar' (N. do T.: no original, 'Where Angels Fear to Tread'), esse
título me foi sugerido por Eel, extraordinário pre-reader e autor de HERZ. Ele
explicou isso para mim da seguinte maneira:
"Tem vários pontos de vista - a primeira metade do provérbio vem à mente,
'Tolos correm para...'. Também poderia ser uma referência ao esforço de Kaoru
para entender o amor e os humanos através de Shinji e sua descida final ao
Terminal Dogma. Mais abstratamente, uma referência ao AT-Field - a luz sagrada
da alma à qual ninguém é permitido ultrapassar, o AT-Field sendo a grande razão
pela qual o Eva é uma arma efetiva contra os Anjos."
Mais um ponto, agora que eu revisei este capítulo, seria a menção de
Kaoru à liberdade de escolha, uma capacidade que os outros Anjos não tinham.
Como nota final, eu acho que está óbvio agora que todos aqueles que
chamaram esta estória de WAFF e de Romance estavam errados. Obviamente, eu sabia
disso desde o início. O sentido de TOILI era cobrir muito mais que isso. Ele tem
WAFF, Roamnce e Humor, mas também Drama e Tragédia, para não mencionar algumas
cenas de Lime.
Para o Capítulo 12... esperem qualquer coisa.
Ah, sim... algumas pessoas poderiam mencionar que uma faca de cozinha parece um
pouco grande para caber no bolso de um uniforme de escola. Lembrem-se que isto é
um sonho e que sonhos nem sempre fazem sentido. E eu tenho uma razão para usar
especificamente uma faca de cozinha.
Alain Gravel
rakna@globetrotter.qc.ca
6 de Dezembro de 1999
Iniciado em 1 de Outubro de 1999
Primeira versão do pre-reader terminada em 6 de Dezembro de 1999
Segunda versão do pre-reader terminada em 17 de Dezembro de 1999
Terceira versão do pre-reader terminada em 10 de Janeiro de 2000
Versão final terminada em 1 de Fevereiro de 2000
Revisões finais em 6 de Março de 2000
Tradução para o português terminada em 12 de Março de 2002
Revisão do português terminada em 16 de Março de 2002

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