Olá companheiros!
Chegamos aqui a primeira prata da casa. Sim, digo que o capitulo 07 o é por que eu fucei, visitei sites vencidos no internet archive, mas não achei de maneira alguma este capitulo. Como o encontrei? Em um Backup que fiz faz um tempão! Então se preparem, por que esse capitulo é do caramba!!!
Aquela Que Eu Amo É...
Capítulo 7 - Despertar
Escrito por Alain Gravel
Auxiliado por Darren Demaine
Traduzido por Ayanami-san
Revisado por Souryu-san
Baseado em personagens criados e possuídos pela GAINAX.
http://www.geocities.com/Tokyo/Teahouse/2236/
(*) Veja as notas de tradução para detalhes
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Capítulo 7 - Despertar
Parte 1: A escolha de um homem.
A cama era confortável, mas eu mal tinha conseguido dormir. Eu tinha
gasto a maior parte da noite olhando para esse novo teto desconhecido.
Eu tenho certeza que eu poderia ter dormido em qualquer outro lugar que
não fosse um quarto de hotel. Eu poderia ter pedido a Kaji ou a Kensuke
para me deixar ficar por uma noite. Misato estava pronta a me deixar
dormir no meu velho quarto até o dia seguinte. Mas eu não queria pedir
ajuda a nenhum deles. Eu não pertencia mais àquele mundo.
As duas horas que eu dormi estavam longe de serem relaxantes. Em
meus sonhos, a minha mente ficava repassando o que as pessoas tinham
passado a chamar de "Acidente da Unidade-03". No entanto, havia uma
pequena e assustadora diferença: em meus sonhos, não era a Unidade-03
que o meu EVA destruía. Era um Touji gigante (ninguém nunca disse que os
sonhos deveriam fazer algum sentido). Eu acordei gritando e molhado de
suor. Eu provavelmente acordei as pessoas no quarto ao lado também.
Se o meu sono tinha sido invadido por pesadelos, as horas que eu
passei acordado foram dominadas pela misteriosa garota de cabelos cinza.
'Pilotar o EVA só pode te trazer dor. A Quarta foi apenas a primeira
a se machucar. A Primeira ou a Segunda podem ser a próxima. Você deve ir
enquanto ainda há tempo. De outro modo, você será destruído junto com
aqueles que você ama.'
Eu não sabia quem era aquela garota. Devia ser apenas alguma pessoa
maluca. Ainda assim... eu não podia parar de pensar no que ela tinha
dito. Provavelmente porque eu sabia que ela estava certa. Se eu ficasse,
eu acabaria machucando Rei e Asuka assim como a Touji.
Kaji uma vez tinha me dito que o que eu chamava de sorte era outro
nome para talento. Mas a sorte pode acabar às vezes. Já por duas vezes
eu tinha sido um inútil. Primeiro contra o Décimo Segundo Anjo, agora
com o Décimo Terceiro.
O fato era que... eles não precisavam de mim. Comigo fora do
caminho, Asuka não sentiria a necessidade de se mostrar e ser a melhor.
Seus resultados poderiam apenas melhorar. E Rei não sentiria a
necessidade de fazer algo estúpido como me proteger como tinha feito
contra o Quinto Anjo. De fato, se eu fosse embora, ela usaria a Unidade-
01 no meu lugar. Os testes tinham provado que isso era possível. Mesmo
com as melhorias, a Unidade-00 continuava sendo a menos confiável de
todas. E também... até agora, a Unidade-01 tinha de alguma forma... me
protegido. Agora... ela poderia proteger Rei. Além disso, se eu não
tivesse tomado o lugar dela quanto o Terceiro Anjo atacou, ela teria
sido a piloto da Unidade-01. Eu tentei não pensar que se eu não tivesse
pilotado ela teria morrido.
Sim, eu não era mais necessário. Eles tinham Rei, eles tinham Asuka,
e eles tinham aquela coisa... ele devia se chamar dummy plug... eles
não precisavam de mim. Eu apenas ficaria no caminho, iria machucá-los.
Era melhor assim...
Minha decisão estava tomada, eu deixaria Tokyo-3 e nunca retornaria.
Era o que eu tinha que fazer, o que eu deveria ter feito muito antes.
Então, porque isso me parecia tão errado?
* * *
Eu não pude deixar de me sentir incomodado ao andar pelos tão
familiares corredores da enfermaria da NERV. Felizmente esta era a
última vez que eu via essas paredes. Eu sabia que Misato tinha
esperanças de que isso não fosse assim. Era provavelmente por isso que
ela não tinha pego meu cartão de identificação de volta nem desativado
os direitos de acesso que eu tinha a essas instalações. Mas a minha
decisão era final: eu não mais tinha um lugar aqui. O fato era... eu
nunca havia tido.
Eu acompanhei os números das portas passando a cada passo que eu
dava. Parte de mim queria simplesmente fugir. Não seria a primeira vez.
Mas alguma coisa me impelia a seguir em frente. Alguma obsessão mórbida,
talvez.
Eu congelei quando cheguei ao meu destino. Quarto número 107. Eu
queria que a minha mão abrisse a porta, mas ela se recusava a fazê-lo.
Eu... eu não poderia fazê-lo. Mas não podia ir embora também.
Deus, eu odiava isso.
Respirando fundo, eu entrei no quarto de Suzuhara Touji.
Aliviado, eu percebi que Touji parecia estar dormindo. A sua
condição tinha se estabilizado, mas ele ainda estava conectado a alguns
aparelhos. Então eu percebi quão irregular a forma de seu corpo parecia
debaixo dos lençóis. Eu tentei desviar o olhar, mas alguma coisa bem
fundo em mim me forçou a olhar bem para os lugares onde deveria haver
uma perna e um braço.
Eu fiz isso.
Silenciosamente, as lágrimas vieram.
Eu não podia agüentar mais. Eu tinha que ir embora. Mas quando eu
alcancei a porta, todo o meu corpo congelou ao som de uma voz familiar,
ainda que fraca e cansada.
"Shinji... você veio aqui se desculpar... antes de fugir?"
"Touji!"
Eu estava relutante em me virar. mas quando eu o fiz, eu não vi o
olhar cheio de ódio que eu esperava, mas sim uma face sorridente. Ele
parecia tão pálido quanto Rei e parecia realmente exausto. Mas ele
estava sorrindo.
"E então?"
"Eu não vou me desculpar. O que eu fiz é imperdoável."
"Ah... e... você vai embora... certo?"
Eu era assim tão previsível que todo mundo sabia o que eu planejava
fazer?
"Sim."
Ele virou sua cabeça para olhar para o teto. Eu percebi que aquilo
devia ser um tremendo esforço olhar para mim.
"Souryu está certa... você é mesmo... um idiota."
Ele falou, sem tirar os olhos do teto. Mesmo dito de forma tão
suave, aquelas palavras me acertaram.
"Misato-san veio. Ela... ela me explicou tudo. Shinji... não foi sua
culpa..."
Misato tinha falado com Touji?
"É sim! Foi o meu EVA que fez isso com você!"
De leve, ele balançou a cabeça.
"Você não estava no controle..."
"Não importa..."
Eu não podia agüentar olhar para ele mais. Ali, naquela cama,
machucado por minha causa. Ele tinha quase morrido por minha causa. Eu
podia ver isso em seus olhos. Ele tinha chegado bem perto de nos deixar.
Envergonhado, Eu olhei para o chão. Nós dois ficamos em silêncio por uns
bons momentos.
"Isso significa que eu sou um assassino?"
Eu olhei para ele com descrédito. O que ele queria dizer?
"O EVA que eu estava pilotando... ele... ele matou um monte de gente
em Matsushiro... não foi? Ele poderia até ter matado... Rei e Asuka.
E... se o seu pai... não tivesse tomado aquela decisão... poderia ter
matado você também..."
"Não é a mesma coisa!"
"Ah não?"
Eu... eu realmente não sabia o que responder. Eu sabia que o que ele
tinha dito fazia sentido. Mas... parte de mim se recusava a acreditar
naquilo. Eu acho... que parte de mim precisava assumir a culpa... porque
era o único meio que poderia justificar a minha decisão de ir embora.
"O seu EVA foi tomado por um Anjo..." eu respondi, sem muita
convicção no entanto.
"O seu... por um computador", replicou Touji, simplesmente. "É a
mesma coisa. Nós dois estávamos presos... em... 'coisas'... que não
podíamos controlar."
Eu sabia que isso era verdade... mas...
"Eu poderia ter tentado te resgatar ao invés de não fazer nada e
desistir!"
Sim. Esta razão daria conta...
"Como? Como você acha que você poderia ter me salvado? Aquele Anjo
tinha arrebentado... tanto com Souryu como com Ayanami... em questão de
segundos. Ele tinha te pego de jeito... muito fácil também..."
Ele estava certo. Mas ainda...
Eu estava a ponto de dizer alguma coisa quando ele continuou.
Parecia que ele apenas tinha parado para recuperar o fôlego e reunir
seus pensamentos.
"Você teve dias para pensar sobre isso... você... você imaginou
algum jeito que... você pudesse... ter me salvado?"
Eu tinha pensado muito nisso. Situações em que eu poderia tê-lo
salvado se passaram na minha mente. Se eu tivesse feito isso... se eu
tivesse tentado aquilo... mas... não, eu nunca realmente tinha
conseguido encontrar uma resposta para aquela pergunta. Envergonhado, eu
permaneci em silêncio.
"Imaginei", disse Touji depois que todo um minuto tinha passado,
vendo que eu obviamente não tinha resposta para dar.
"Não importa."
Eu não deixaria que ele me convencesse que o que tinha acontecido
era insignificante! Eu não deixaria! Era minha culpa, droga! Porquê ele
tinha que ser tão legal comigo?!
"Eu não sou útil para ninguém. Se eu ficar, eu vou acabar machucando
mais pessoas!"
"Não, se você ficar... você vai ter que enfrentar o que aconteceu...
e é disso que você tem medo... machucar a si mesmo. Se você for
embora... você irá machucar todos que se importam com você. Misato. Rei.
Asuka. Eu."
Maldito Touji! Porquê ele tinha que ser tão brilhante de repente?!
"Niguém liga..."
"Não é verdade e você sabe disso."
Dessa vez, pareceu que Touji estava bravo. Eu imagino que ele teria
gritado, se não estivesse tão fraco. Os anestésicos provavelmente também
não ajudavam. Mas novamente ele levantou a cabeça para olhar para mim.
Ele podia parecer fraco, mas eu podia ver o fogo brilhando em seus
olhos.
"Rei e Misato... elas esconderam a verdade de mim..."
"Elas não queriam que você se machucasse..."
"Eu poderia ter te impedido!"
"Não. Eu tinha minhas razões."
Estranhamente, um pequeno sorriso apareceu em sua face. Ele deixou
sua cabeça cair no travesseiro novamente. Era estranho. Por um momento,
ele quase pareceu sereno.
"Eu sei... sua irmã... novamente, minha culpa..."
"Não diga isso..."
"Mas é verdade!"
Touji suspirou.
"Eu bateria em você... se eu pudesse. Você ainda não entendeu... que
eu já te pedoei? Que Mari nem sequer acha que você seja responsável pelo
que aconteceu? Não foi sua culpa. Foi culpa daqueles malditos Anjos."
"Eu estava pilotando!"
"Pela primeira vez... sem nenhum treinamento... e aquela coisa
idiota entrou em berserk... imbecil..."
Eu olhei para ele, sem saber o que dizer. Touji simplesmente olhou
de volta. Todas as minhas ilusões estavam indo embora, mas eu queria que
elas ficassem...
"O fato é... sem você daquela vez... todos nós poderíamos ter
morrido. A minha irmã está machucada... mas está viva. Assim como eu..."
Eu não sabia o que dizer. Então eu apenas olhei para o chão. Era
mais fácil do que olhar para ele. Eu acho que nós ficamos assim por
alguns minutos. Eu não sabia realmente o que me compelia a ficar. Talvez
eu estivesse apenas com medo de ir embora sem que ele me dissesse que eu
poderia ir.
"Shinji... eu vou ser honesto... o que aconteceu é uma merda. Mas...
se perder um braço e uma perna... é o preço a pagar... então é um bom
negócio. Além disso... Misato me prometeu que vai usar toda a influência
dela... pra conseguir o melhor atendimento médico, pago pela NERV. Eu
posso até mesmo estar de pé e andando antes de você perceber!"
Vendo-o ser tão legal... não, eu não podia suportar. Isso não era o
que eu esperava que acontecesse.
"Gomen!" (*)
Isso foi tudo que eu consegui dizer antes de fugir.
* * *
Quando eu saí da enfermaria, Misato tentou uma última vez me
convencer a ficar. Parece que ela tinha esperado que eu saísse. Eu fiz o
meu melhor para desiludi-la e simplesmente dizer que a minha decisão era
final. Eu agradeci a ela por tudo que ela tinha feito por mim, disse meu
adeus e fui andando, sem me virar. Eu ignorei completamente a sua oferta
de me levar até a estação de trens. A minha relação com a NERV e todas
as pessoas que eu tinha encontrado lá estava acabada. Eu voltaria ao
apartamento, pegaria algumas coisas, e iria. Com alguma sorte, as
garotas estariam na escola, então eu não teria que dizer adeus.
Mas era essa a decisão correta?
Porque eu continuava questionando a minha própria decisão? Pela
primeira vez eu tinha finalmente tomado uma decisão e tinha decidido me
firmar nela. Eu não queria repetir os erros do passado.
Eu nunca quis pilotar o EVA para começo de conversa e tinham-me dito
para ir embora. Mas momentos depois, eu estaria sentando no entry plug
pela primeira vez de muitas.
Então eu tinha decidido que nunca mais iria pilotá-lo. Mas eu não
entrei no trem que deveria me levar embora de Tokyo-3. E eu pilotei de
novo.
Desta vez eu não mudaria de idéia! Eu não mudaria!
Eu não era mais um garotinho... desta vez, eu agiria como um homem e
faria o que eu tinha decidido.
Não era aquilo o que Asuka teria feito? Quando ela tinha uma idéia
na cabeça, ela jamais voltaria atrás em suas decisões. Ela era muito
cabeça-dura para isso. Se ela podia fazê-lo, porque eu não poderia? Rei
nunca pareceu duvidar de suas decisões também. Mas... tinha ela alguma
vez tomado alguma decisão sozinha?
Então eu lembrei que Asuka constantemente tomava decisões erradas.
Atacar o Sétimo Anjo por si só foi uma delas. O que ela tinha feito no
lago tinha sido outra.
Seria melhor apegar-se às suas idéias ou mudar de idéia se a atual
parecer tola?
O que seria a coisa madura a fazer?
Eu estava andando havia muito tempo, perdido em pensamentos, quando
eu repentinamente ouvi as tão familiares sirenes de emergência de Tokyo-
3. Eu congelei. Um Anjo estava atacando...
Quase que por reflexo, eu me virer para correr à NERV. Mas então eu
me lembrei de minha decisão. Eu não tinha mais um lugar ali. Eu não
tinha que lutar mais...
Rei e Asuka iriam...
Isso seria mais que suficiente. Certo?
Eu fiquei eu suspense por alguns longos minutos, idéias em conflito
travando batalha em minha mente. Então eu vagarosamente caminhei para o
abrigo mais próximo.
* * *
Quando os sons da batalha começaram, eu estava sozinho, rosto contra
os meus joelhos, com uma criança assustada. Eu provavelmente parecia
patético.
'Porquê você é tão medroso?'
Mais que isso... eu era um covarde.
'Souryu está certa... você é mesmo... um idiota...'
Eu era fraco. Inútil.
'Desculpe, mas a irmã mais nova dele se machucou na batalha. Ele tem
seus motivos.'
Meu único talento era pilotar o EVA. E nem mesmo isso eu conseguia
fazer direito.
O som de artilharia pesada aumentou. A batalha realmente parecia
perto. Teria o Anjo entrado do GeoFront?
O que isso importava para mim, de qualquer forma?
O que era aquela necessidade de sair deste lugar? Ir aonde? NERV?
"Papai! Eu estou com medo!"
Eu não sei porque, mas aquelas palavras me acordaram para o que
estava acontecendo por perto. Eu via gente, principalmente crianças,
soluçando e chorando. Eu via mães abraçando seus filhos, tentando
confortá-los. Eu via casais abraçados, tentando conseguir força um com o
outro, em vão. Eu via medo, dor e desespero. E conforme eu me
conscientizava dos sons da batalha, eu passei a dividir o medo deles.
Estranho, estar em um EVA era menos assustador que isso.
Mas eu estava seguro aqui, certo? Eu não estava arriscando a minha
vida...
Não... outros estavam arriscando suas vidas ao invés de mim... como
eu era patético...
De repente, o abrigo inteiro foi sacudido como se estivesse no
epicentro de um terremoto. Uma das paredes e parte do teto pareceram
literalmente explodir, jogando pó e metal para todos os lados. Mesmo com
o alto som da explosão eu podia ouvir gente gritando e chorando. Quando
a poeira baixou, eu abri os olhos que eu tinha fechado por reflexo e vi
um homem jogando bem na minha frente, com um longo fragmento de metal
atravessando seu peito. As pessoas no abrigo tentavam fugir, em pânico.
Então eu percebi. Por um momento, meu coração parou de bater.
Onde havia uma parede agora estava a cabeça do Evangelion Unidade-
02.
Não! Asuka! ASUKA!!!
Como um possesso, eu corri para a saída, jogando as pessoas para o
lado se necessário, sem me importar com nada exceto que eu precisava
sair dali. Eu precisava ver...
Eu quase caí de joelhos quando saí do abrigo. A Unidade-02, ou
melhor o que tinha sobrado dela, estava de pé, imobilizada, com um
mostro gigante passando por ela indo em direção à NERV.
Isso não era possível. Asuka não poderia ter perdido desse jeito.
Não Asuka.. ela era melhor piloto que eu...
"Asuka... ASUKA!"
Se ela estivesse ainda sincronizada com o EVA quando ele perdeu sua
cabeça...
Não... não... NÃO!!!
Eu não tinha nem sequer me desculpado a ela por toda a dor que eu
tinha causado...
"Ei você! O que você está fazendo? Você quer morrer?"
Eu olhei para a fonte dessas palavras. Percebi que elas não eram
dirigidas a mim, mas a uma garota. Uma garota com cabelo cinza em um
vestido leve branco. Ela também estava olhando para a Unidade-02. Então,
ela virou sua cabeça para olhar para mim. Os olhos vermelhos!
"Você!"
Ela apenas sorriu. Um sorriso quente. Totalmente fora de lugar neste
momento de absoluto caos. Então ela foi andando para longe e começou a
desaparecer no meio das pessoas que corriam por suas vidas. Eu estava a
ponto de correr atrás dela, quando alguém me chamou.
"Shinji-kun?"
Uma voz familiar. Eu me virei para ver Kaji, aparentemente regando a
sua pequena plantação de melancias. Eu olhei novamente para o lugar onde
eu havia visto a garota, mas ela não podia mais ser vista. Quase
hipnotizado, eu fui até Kaji. A visão da Unidade-02 inutilizada ainda
tinha um efeito atordoante na minha mente.
"Kaji-san. O que você está fazendo aqui?"
"Essa é a minha fala. O que você está fazendo aqui, Shinji-kun?"
"Eu não sou mais o piloto da Unidade-01. Eu decidi que nunca mais
vou pilotar novamente."
"Sei. Bem, respondendo à sua pergunta, como o meu bico foi
descoberto, eu perdi a minha posição no campo de batalha. Então aqui
estou, regando..."
"Num momento como esse?!"
Eu não podia acreditar. Trabalhando em seu jardim bem no meio do
ataque de um Anjo?
"E tem hora melhor? Embora eu prefira estar entre os melões da
Katsuragi, é aqui que eu quero estar quando morrer."
"Morrer?"
"Sim. Diz-se que se um Anjo entra em contato com Adão, que está
dormindo abaixo de nós, toda a humanidade será aniquilada pelo Terceiro
Impacto. Tal destino só pode ser evitado pelo Evangelion, que tem o
mesmo poder de um Anjo."
Eu não sabia o que dizer. Ninguém nunca tinha me explicado isso
dessa forma. Eu sabia que nós tínhamos que lutar contra os Anjos. Eu
sabia que eles nos atacavam. Mas eu não sabia porquê. Eles queriam matar
todos os seres humanos?
Isso não mudava tudo?
De repente, à distância, a Unidade-00 emergiu do subsolo. Ela não
parecia muito bem. Ainda faltava um braço e os reparos não pareciam
terminados. Quando ela começou a se mover, eu percebi um fato
importante: Rei pilotava aquele EVA. Eu não sabia como eu poderia ter
certeza a esse respeito. Talvez fosse apenas uma impressão. Talvez fosse
o jeito como o EVA se movia. Mas eu sabia que ele era pilotado por Rei.
"Unidade-00! Rei!"
Isso era loucura! Ela não tinha nem um rifle...
"Eu imagino porque Ikari não a mandou na Unidade-01. Eu duvido que
ele tenha planejado as coisas desse modo..."
Meu coração ameaçou explodir em meu peito enquanto eu via o
Evangelion correr contra o Anjo. Ele segurava alguma coisa em sua mão,
mas eu não sabia o que era. De repente, o EVA se chocou com o Campo AT
do Anjo, as faixas amarelas hexagonais claramente visíveis a olho nu.
Por alguns longos segundos, a Unidade-00 se esforçou para penetrar no
Campo AT do Anjo. Quando ela conseguiu, ambos o robô e o monstro foram
engolidos por uma luminosa explosão que me cegou por um momento. Eu
senti uma rajada de ar quente que quase me derrubou.
Quando a fumaça se dissipou e eu podia ver novamente, a Unidade-00 e
o Anjo estavam ainda de pé, ambos se um arranhão. Então, o braço do
Anjo, que parecia algum tipo de faixa afiada, se extendeu e atingiu a
Unidade-00 diretamente na cabeça. O EVA caiu no chão, um líquido
vermelho-sangue escorrendo de sua grande ferida.
"REI! Rei-chan..."
Eu balancei minha cabeça, tentando não pensar no pior. Certamente
ela estava bem...
"Você entende porque ela fez isso?"
Essas palavras me libertaram de meu transe e eu movi meus olhos da
forma deformada da Unidade-00 para Kaji.
"Provavelmente porque meu pai mandou."
"Não, eu não acredito. Eu acho que você cortou as cordas da
marionete."
Eu não podia acreditar nisso. Ela o tinha obecedido quando ele pediu
a ela que não me contasse nada sobre Touji. Mas ela tinha tido outras
razões...
"Rei, Asuka... elas não lutam apenas porque é o dever delas. Elas
também lutam por suas vidas. E, mais importante, pelas vidas daqueles
que elas amam, Eu tenho certeza... que elas lutam por você. Para te
proteger. É uma pena que você não tenha podido protegê-las."
Essa palavras atingiram o seu objetivo. Quando eu olhei novamente
para a Unidade-00, uma onda de culpa me engoliu. Eu quase vomitei ao
pensar que Rei e Asuka poderiam ter se machucado seriamente, só porque
eu não tinha estado lá...
Mas eu tinha ido embora para que elas não se machucassem...
Talvez... aquela decisão... tivesse sido um erro...
"Eu te invejo, Shinji-kun. Eu não posso fazer nada além de regar
aqui. Mas você... há algo que você pode fazer, algo que somente você
pode fazer agora. Pense por si mesmo e decida por si mesmo."
Kaji olhou para mim. Eu acho que nunca o vi tão sério em toda a
minha vida.
"Esta é a escolha de um homem. O que você vai escolher, Ikari
Shinji?"
Meu cérebro trabalhava duramente, enquanto eu relembrava do que
todos tinham me dito hoje. Desta vez, eu não podia mais me esconder da
verdade.
Eu olhei para a figura do Anjo conforme ele se dirigia flutuando ao
Quartel General. Tudo em volta eram sons de pessoas machucadas e
assustadas tentando encontrar abrigo. Eu estava indo embora porque eu
não queria causar dor a mais ninguém. Sem mim os outros poderiam se
concentrar em suas tarefas. Eu não seria uma distração para eles.
Mas eu tinha ido embora e as pessoas continuavam se machucando.
Rei... Asuka... a minha decisão não as tinha salvado como eu tinha
esperado. De fato, por eu não ter estado ali para lutar ao lado delas,
poderia até mesmo... poderia...
'Se você não pilotar, estará condenando Rei e Souryu à morte.'
Palavras de meu pai, meu maior medo. Eu me lembrei de como ele tinha
dito essas palavras: casualmente, calmamente. Como se estivesse falando
do clima. Eu nunca pensei que essas palavras pudessem machucar tanto.
Bem, não era nada comparado a ver as Unidades 00 e 02 agora. Tinham as
palavras dele sido proféticas? Eu tinha rejeitado o único bom conselho
que meu pai tinha me dado? Maldito! Essa decisão era minha, não dele!
Um flash de luz do Anjo e uma explosão de água assinalaram a
destruição de um dos navios de guerra do lago. Eu via soldados com o
uniforme da NERV atacarem o Anjo. Eles sabiam que não poderiam fazer
nada com suas armas, mas eles nunca desistiam, nunca mostravam o medo
que eles deveriam estar sentindo. Eles lutavam por alguma coisa, eu
podia sentir. Eles não tinham medo. Eu tinha ido embora porque eu tinha.
Então *eu* não seria machucado pelas minhas ações.
Os olhos do Anjo brilhavam. Homens morriam.
E minha mão se fechou em um punho forte.
"Eu acho que entendi..."
"Entendeu?"
Eu assenti, e então, sem me importar com o que estava acontecendo,
sorri, pela primeira vez em um bom tempo.
"Eu tenho que ir!"
"Eu tenho um jipe aqui perto. Eu te levo até a NERV."
Eu poderia ter agradecido a ele, mas eu sabia que palavras não eram
necessárias. Ele provavelmente estava tão agradecido quanto eu.
Conforme eu via o Anjo avançando para o Quartel General, eu comecei
a perceber o quão desesperadora a situação era. Eu só esperava que nós
pudéssemos chegar a tempo. De outro modo, se Kaji estava certo, eu nem
mesmo teria tempo para me sentir culpado por ter deixado as garotas
sozinhas contra aquele monstro.
* * *
"Continuem. Mais uma vez, tentem a partir de um-zero-oito."
De seu posto bem acima do EVA, o Comandante parecia se esforçar para
ativar a Unidade-01. Mas aparentemente, todos os seus esforços eram em
vão. Eu não sei exatamente o porquê. Não importava de qualquer maneira.
Tudo que era importante era que eu era provavelmente a última esperança
da humanidade. Não venha me falar de responsabilidades. Mas pela
primeira vez, eu não sentia realmente o peso que isso sempre tinha tido.
"Eu vou pilotar!"
O Comandante olhou para baixo, para mim. Pelo que eu pude perceber,
ele se mantinha calmo, sob controle. Eu tinha que admitir, mesmo que eu
o odiasse, eu tinha que admirar a sua calma numa situação como essa.
"Porque você está aqui?"
Não havia emoções na sua voz. Eu não fiquei muito surpreso, mas eu
também não me importava realmente."
"Eu sou o piloto do Evangelion Unidade-01. Esse é o meu motivo. É
isso o que eu posso fazer."
Essa era uma verdade que eu tinha entendido. Quando eu pilotava, eu
era capaz de defender aqueles que eu amava.
"Isso é tudo que você tem a dizer?"
"Cale a boca e me deixe pilotar! Não há mais tempo a perder!"
O homem não disse uma palavra. Mas o plug que estava no EVA foi
retirado e substituído pelo meu. Eu sorri vitorioso, mesmo sabendo que o
meu pai também tinha um sorriso similar, por razões completamente
diferentes.
* * *
Eu quase não tinha conseguido. Foi por pouco. Quando eu literalmente
atravessei a parede da sala de controle principal, eu realmente entendi
as palavras de Kaji. Eu agora sabia o objetivo do EVA. Quando eu salvei
a vida de Misato, eu percebi quão privilegiado eu era por ser capaz de
proteger aqueles com quem eu me importava. E pela primeira vez na vida,
pilotar não pareceu uma obrigação. Tão estranho quanto poderia parecer,
eu gostei. Eu sentia o que eu acredito que Asuka sentia quando pilotava
o seu EVA: orgulho e excitação.
Quando eu lutei contra esse monstro gigante e feio que era o Anjo,
eu me tornei alheio a tudo à minha volta. Somente por um instante eu
senti a dor da perda do braço esquerdo do meu EVA. rapidamente abafada
pelo calor da batalha. Eu não pensei realmente quando berrei algumas
ordens para Misato. Eu estava quase no piloto automático.
Uma vez que estávamos do lado de fora do Quartel General, eu deixei
de me conter. Do lado de fora, não havia ninguém que poderia se ferir,
além de mim e do Anjo. Quando eu passei a literalmente despedaçá-lo, eu
provavelmente parecia possesso. Com essa luta, eu deixei todo o meu ódio
e a minha ira saírem.
Aquele Anjo tinha machucado Rei e Asuka!
Ele tinha tentado matar Misato!
Os Anjos!
Eles tinham sido responsáveis pelos ferimentos da irmã de Touji!
Eles tinham machucado Touji!
Por causa deles nós tínhamos que lutar!
EU OS ODIAVA!
Eu estava quase arrancando a cabeça do Anjo fora quando de repente,
tudo ficou em silêncio com exceção de um som. O timer das baterias
internas. Eu olhei para os dígitos, 00:00:00
Eu estava sem energia.
Não!
De repente, eu senti o EVA ser levantado do chão e ser jogado longe.
Pareceu que ele tinha atingido o chão bem forte e eu estava
impressionado de não ter me machucado no impacto. Mas eu rapidamente me
lembrei do que estava acontecendo e como as coisas pareciam ruins.
"Mova-se, mova-se, mova-se. Mova-se, por favor mova-se. Não tem
sentido se você não se mover agora!
Então, eu ouvi uma explosão e senti o EVA ser sacudido. Eu sabia que
ele tinha recebido um dano sério. A explosão foi seguida por um som
regular, rítmico. O Anjo estava batendo no EVA. Ele sacudia com cada
impacto. Eu podia ouvir sons de coisas quebrando e se eu não estivesse
entrando em pânico, eu teria percebido as rachaduras que apareciam acima
da minha cabeça. Freneticamente, eu puxei os controles, sem resposta. O
EVA continuava parado. Eu logo morreria. Então, se o que Kaji tinha dito
era verdade, toda a raça humana me seguiria. Eu tinha falhado, de novo.
Eu tinha falhado em proteger aqueles que eram queridos para mim. Eu
senti como se estivesse afundando num oceano de desespero.
"NÃO!"
Em lágrimas, eu puxei ainda mais rápido e com mais força os
controles. Meus braços doíam, mas eu não me importava.
"Mova-se, mova-se, mova-se, mova-se, mova-se, mova-se, mova-se,
mova-se, mova-se, mova-se, mova-se, mova-se, por favor mova-se! Se você
não se mover agora, todos irão morrer! Eu... Eu não posso deixar isso
acontecer. Eu.. Eu não posso... EU não posso deixá-los sozinhos agora!
Então, por favor... MOVA-SE!"
De repente, eu congelei. Eu podia ouvir um som. Algo como... um
coração batendo? Então, foi como se eu tivesse sido engolido por um
oceano de escuridão. Somente dias depois eu soube o que tinha
acontecido.
Eu tinha sido absorvido pelo EVA.
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Parte 2: Segunda Chance / Que a melhor garota vença!
Um colo.
Um colo muito familiar. Rei? Asuka? Misato? Não. Outra pessoa...
Mãe!
Mãe!!!
Eu estou indo mãe!
Uma voz. Uma voz fraca. Uma voz familiar. Mas não a da mãe...
'Shinji! Me devolvam o meu Shinji! Me devolvam...'
Mi... Misato?
'Você deve voltar.'
* * *
Quando eu acordei do que pareceu o sono mais relaxante que eu jamais
tinha tido, eu murmurei quando percebi o teto sempre familiar da
enfermaria da NERV. Pelo menos eu tinha sorte, a luz estava apagada
então meus olhos foram poupados da dor de olhar para elas.
"Não de novo," eu tentei discutir, mas a minha garganta e boca
estavam secas e as palavras de fato não saíram.
Desacostumado, eu tentei entender a minha situação. Eu me sentia
estrannho, mas sem dor. Eu levantei meus braços. Bom, nenhuma agulha de
sensor, então eu provavelmente não tinha me machucado demais. No
entanto, eu percebi que os meus sentidos estavam meio embaçados, como se
eu estivesse em um EVA mal sincronizado. EU abri e fechei a minha mão
várias vezes, movendo o meu braço. Parecia ficar melhor a cada momento.
Bom. Aparentemente, o único problema real que eu tinha era uma terrível
dor de cabeça. Parecia muito com a dor de cabeça que eu tinha tido
depois da batalha contra o Terceiro Anjo.
Anjo...
Com esse pensamento, tudo voltou a mim. Eu estava lutando contra o
Anjo. Então a força acabou. Então... eu não tinha certeza do que tinha
acontecido. Eu não podia me lembrar. Eu estava vivo, então eu imaginei
que ele estava morto. Mas como? Os EVAs de Rei e Asuka tinham sido
severamente danificados.
Rei! Asuka!
Eu me senti um pouco tonto quando tentei me sentar na cama, mas
rapidamente isso passou. Eu tinha que sair daqui! Eu tinha que saber se
elas estavam bem!
"Então, você finalmente decidiu acordar, hein? Já era hora."
Aquela voz!
"Touji?"
Parte de mim se sentiu com medo, mas eu sabia que não havia mais
nada o que temer. Eu sabia que ele não me odiava.
Ele estava em uma cadeira de rodas, eu um canto do quarto. Com
alguns empurrões, ele se aproximou da cama.
Para minha surpresa, Touji parecia completamente diferente desde a
última vez que eu o tinha visto. Ele não mais parecia fraco, mas sim
muito energético. Ele parecia mais saudável e estava vestindo as suas
roupas esportivas de sempre. Por um momento, eu imaginei se eu não havia
estado dormindo, ou melhor ainda se eu não tinha acabado de acordar de
um terrível pesadelo, quando eu percebi que ele ainda estava sem dois
membros. Eu o encarei completamente perdido. Ele me deu um sorriso
agradável. Ele devia ter adivinhado que a minha gargante estava seca,
pois me passou um copo de água que pegou de uma pequena mesa próxima à
cama. Aquele copo foi realmente bem-vindo.
"Você nos assustou, sabe," ele disse simplesmente.
O que... o que esta acontecendo aqui?
"Como...?"
Eu realmente não sabia o que dizer. Eu estava confuso demais. E...
eu não podia deixar de me sentir intimidado por ele.
"Qual é a última coisa de que você se lembra?"
Eu tentei pensar. Havia tantas imagens... mas eu não podia realmente
ver nenhum sentido nelas.
"O... o Anjo... eu estava sem energia... então... eu não sei..."
Touji assentiu, como se tivesse esperado essa resposta.
"Isso foi há um mês atrás."
"Um mês!"
Eu não podia acreditar! Um mês? Eu tinha me machucado tanto que eu
tinha perdido a consciência por um mês inteiro? Eu não sentia dor
alguma. O que estava acontecendo?
"Sim. Um mês inteiro. E me deixe dizer uma coisa, foi um longo mês
para todos aqui. Você realmente nos assustou!"
"Assustei? O que... o que aconteceu? O Anjo...?" eu perguntei. Então
eu me lembrei da razão pela qual eu tinha tentado me levantar. "Rei?!
Asuka?! Elas estão bem?!"
"Se acalme. Elas estão bem. Elas mal se machucaram."
Eu suspiei. Que alívio!
Elas mataram o Anjo?"
Eu não sabia como isso era possível, mas era a única possibilidade
que eu enxergava.
"Não. Você entrou em berserk de novo."
"Ah..."
Aquilo provavelmente explicava porque eu não me lembrava de nada.
Pelo menos, ainda não. Mas ainda... isso não explicava a minha
inconsciência por um mês inteiro.
"Você nos deixou doentes de preocupação! Nunca mais faça isso de
novo!"
Touji fechou seu punho. Ele quase parecia... prestes a chorar?
O que diabos tinha acontecido comigo?!
"O que...? O que aconteceu?"
"Do jeito que eu entendi... você... desapareceu... dentro do EVA.
'Absorvido' eu acho que foi o que a Misato disse. Eles tiveram que te
puxar pra fora. Mas... eles quase... falharam. Você quase foi
perdido..."
Desaparecido dentro do EVA. Isso era possível? Mas... parecia tão
familiar. Eu tinha a sensação... que eu já tinha ouvido algo sobre isso
antes. Não, eu vi acontecer. Mas... quem? Quando? Não, eu estava
provavelmente errado. Eu nunca tinha visto o EVA antes de vir para
Tokyo-3. Nunca... nunca...
"Sei..."
Nós olhamos um para o outro em silêncio. Eu não podia deixar de
olhar para onde ele deveria ter um braço e uma perna...
"Touji... eu..."
"Não se desculpe. Você entende que não foi sua culpa, certo?"
Eu assenti.
"Então está acabado. Além disso, em uma semana, eu vou ser mandado
para Tokyo-2 para tentar alguns órgãos artificiais. Misato mexeu uns
pauzinhos pra isso. Ela sentia que a NERV me devia isso. Eu também vou
ver Mari de novo! Ela está na reeducação! Ela está andando de novo
Shinji!"
Sua irmã... andando...
"Isso é tão bom! Eu estou tão feliz por você!"
E eu estava. A irmã de Touji estaria bem. E Touji... podia ter uma
chance de viver uma vida normal depois de tudo... eu senti algumas
lágrimas rolarem pela minha face.
"Meu Deus, não seja um molóide!"
"Desculpe..."
Eu estava simplesmente tão feliz. Eu me levantei e abracei o meu
amigo o melhor que eu pude.
* * *
"Ah! Você acordou," disse a enfermeira ao entrar no quarto. Eu tinha
usado o botão de chamada para alertar a enfermaria um minuto antes.
"Sim. E eu gostaria de sair agora."
Embora Touji tivesse me assegurado que Rei e Asuka estavam bem, eu
sentia a necessidade de me certificar pessoalmente disso, de vê-las. E
eu não queria esperar mais nem um minuto.
"Sinto muito Ikari-kun, mas eu preciso de autorização para isso."
Droga!
"Você recebeu ordens de mantê-lo aqui?" perguntou Touji. Pelo que
ele tinha me dito, ele próprio tinha tentado sair, mas Misato tinha se
oposto a isso, preocupada que ele não pudesse se cuidar sozinho ainda.
Touji tinha discutido no começo, mas acabou concordando que ela estava
certa.
"Não, Suzuhara-kun. Mas nós não recebemos autorização de deixá-lo ir
também."
"Mas ele está fisicamente bem, certo?"
"Sim, ele está."
"Então, eu acho que você vai ter que ligar para o seu pai, Shinji."
Confuso, eu olhei para Touji. Ele simplesmente sorriu.
"É claro que o Comandante vai ficar possesso se ele for acordado no
meio da noite. Bem, eu tenho certeza de que se Shinji falar com ele,
talvez você consiga manter o seu emprego Senhorita..."
O que diabos ele estava dizendo? De repente eu percebi que a
enfermeita parecia assustada.
"Eu.. eu volto num instante com roupas para o Ikari-kun..."
A enfermeira saiu rapidamente.
"O... O que aconteceu aqui?"
"Todo mundo aqui tem medo do seu pai. Eu achei que fosse funcionar."
Então eu finalmente entendi o que Touji tinha tentado fazer.
"Obrigado!"
* * *
Não demorou muito até que a enfermeira trouxesse um uniforme da
NERV. Ele era meio grande para o meu corpo pequeno, mas eu não pedi por
mais que aquilo. Eu só queria sair dali. E foi o que eu fiz bem rápido
depois de dizer adeus para Touji.
Eu visitei o apartamento de Misato primeiro, para encontrá-lo
completamente deserto, com exceção de Pen-Pen. Asuka provavelmente tinha
ido dormir na casa de Hikari. No meu caminho para fora, eu resmunguei ao
quase cair ao tropeçar em uma das latas de cerveja vazias de Misato. O
apartamento estava uma bagunça. Os únicos quartos limpos pareciam ser o
meu antigo e o de Asuka. Eu achei isso meio estranho, dado que Asuka era
quase sempre tão ruim quanto Misato no que se referia a arrumação da
casa, mas eu rapidamente afastei esse pensamento. Eu ainda tinha que
visitar Rei.
Silenciosamente, eu entrei no apartamento de Rei. Era ainda muito
cedo da manhã e eu não queria acordá-la. Eu tinha que ter certeza, no
entanto, que o que Touji tinha me falado era verdade. Gentilmente, eu
abri a porta de seu quarto e dei uma olhada. Eu podia ver uma forma
debaixo dos lençóis e uma massa de cabelo azul no travesseiro. Sem
dúvida, era Rei. Satisfeito, eu fui para o meu quarto. O impulso de me
juntar a ela e abraçá-la forte era grande, mas eu o suprimi. Eu não
queria perturbá-la e não sabia como agir perto dela.
'Algumas verdades podem machucar se uma pessoa não está preparada
para ouvi-las.'
Eu tinha dito isso para Rei. Ela tinha apenas me escutado. Então
como eu podia ficar bravo com ela? Como eu podia odiá-la por tentar me
proteger? Eu teria que me desculpar com ela. Eu a tinha afastado quando
tudo que ela tinha tentado fazer foi tomar conta de mim. Ela tinha feito
tanto por mim, oferecido tudo para mim, corpo, coração e alma, e eu
tinha retribuído o seu amor agindo como um canalha. Eu só podia esperar
que ela eventualmente me perdoasse.
Meio que perdido em pensamentos, eu realmente não percebi onde eu
estava indo, então quando eu entrei no outro quarto, eu não percebi a
pilha de livros, sapatos, roupas e outras coisas que jaziam no chão, bem
atrás da porta. Pego completamente desprevenido, eu perdi o equilíbrio e
caí, em cima de algo que era duro em alguns pontos e macio em outros. Eu
entrei em pânico quando eu o senti se mover, e grunhir. Eu abri meus
olhos (parecia que eu os tinha fechado durante a queda) para ver os
olhos azuis de Asuka olhando direto para mim.
'Ei, baka Shinji. Você quer se tornar um comigo? Você quer que nós
nos tornemos apenas um corpo e apenas uma alma? É tão maravilhoso. Eu
estou te dizendo. Vamos!'
Uma imagem borrada. Asuka, nua, sorrindo, deitando-se sobre mim...
De onde aqueles pensamentos tinham vindo? Isso parecia quase... uma
memória. Mas não estava claro, como se eu tivesse me lembrado daquilo
como parte de um sonho.
"PERVERTIDO!"
Isso me tirou de meu breve delírio. Eu logo percebi que Asuka não
estava mais olhando para mim mas sim mais para baixo, para seu peito. Eu
segui o seu olhar para notar que a minha mão direita estava... bem em
cima de seu seio.
Ah não! Não de novo!
Estou morto.
Eu tentei me levantar, mas Asuka veio com a mesma idéia e nossas
cabeças bateram uma na outra. Inconscientemente, a minha mão apertou com
força.
"Eek! MORRA!!!"
Eu não sei como, mas Asuka conseguiu ficar por cima de mim e me deu
um soco na cara, seguido pelo seu joelho naquele lugar. Isso quando as
luzes se acenderam, mostrando Rei na porta. Pelo menos, eu acho que era
Rei, porque parece que eu ouvi ela e Asuka dizerem em sincronia perfeita
"Ah Meu Deus! Shinji!" antes de desmaiar.
* * *
"Ei! Eu disse que sinto muito, tá? Estava escuro, eu ainda estava
meio sonolenta e ele não estava usando as roupas de bobo de sempre!"
"Eu acho que a sua reação é compreensível..."
"Claro que é!"
"No entanto, eu não sei como você não o reconheceu. Eu sei que eu
teria."
"Estava escuro!"
"Talvez. Mas os olhos dele são os mesmos no escuro. Eu acho que eles
são até mais atraentes..."
"Eu não sei do que você está falando."
"É realmente uma pena."
"O que você quer dizer? O porque você está ficando vermelha?!"
"cabe a mim saber e a você descobrir."
"Ora sua..."
Quando eu recobrei meus sentidos, eu percebi que Rei e Asuka estavam
discutindo. Imediatamente, isso me pegou de surpresa. Não era uma
discussão violenta como elas já tinham tido algumas vezes. Parecia
mais... duas boas amigas discutindo. Mas isso não era possível. Rei e
Asuka mal falavam uma com a outra. Elas? Agindo como amigas?
Impossível."
"Eu espero que você não o tenha danificado."
"Danificado? E porque você está ficando vermelha de novo?!"
"A... parte... onde você... acertou ele com o seu joelho..."
"Oh... Rei! Sua pervertida!"
"Eu só sei o que quero..."
Essa era Rei falando? Eu sabia que ela era usualmente ousada comigo,
mas com Asuka...
De alguma forma, essas palavras dispararam um flash de memória,
similar ao que eu tinha tido anteriormente com Asuka. Mas desta vez, eu
me lembrei de uma Rei nua.
'Shinji. Você quer se tornar um comigo? Você quer que nós nos
tornemos apenas um corpo e uma alma? É tão maravilhoso.'
Isso era estranho. De onde essas impressões vinham? Talvez eu
devesse ter ficado na enfermaria apesar de tudo...
"... e eu sei que você também quer isso."
"Não fale sobre isso! Meu Deus, você é ainda pior que os três
patetas juntos!"
"Parece que o nosso Shinji recobrou a consciência. Ou pelo menos
parte dele. Aparentemente, eu me preocupei demais. Pelo que parece, ele
está perfeitamente funcional."
Meus olhos se abriram quando eu ouvi as palavras de Rei, sem
mencionar a imagem dela nua em minha mente, que tinha causado reação de
parte de mim.
"Sua pervertida!"
Eu esperei Asuka me bater de novo, mas ao invés disso, eu fui
espremido num abraço forte. Uau, as coisas pareciam ficar cada vez mais
esquisitas...
"Baka! Você nos assustou demais! Nunca mais faça algo estúpido como
isso!"
Eu senti outro par de braços envolvendo a mim e Asuka.
"Nós pensamos que tínhamos perdido você. Bem vindo de volta,
Shinji."
Eu não sabia o que dizer. Então eu não disse nada.
Eu senti alguma coisa molhada cair na minha face. Uma lágrima? Quem
estava chorando? Rei, Asuka? Isso realmente importava? Ser abraçado
dessa forma pelas duas garotas que eu amava... isso era bom. Era quente,
muito confortável. Eu poderia me acostumar com aquilo.
Quando as duas garotas me soltaram, eu tomei um tempo para
cuidadosamente olhar para elas. Rei estava sentada sobre seus joelhos à
minha frente. Ela usava uma camisa que eu reconheci como sendo minha.
Tendo ficado algum tempo com ela, eu sabia que ela não costumava usar
nada além de sua cruz prateada. Parecia que ela a tinha colocado às
pressas, pois havia esquecido um botão. Isso me lembrou da primeira vez
que havíamos dormido juntos. Ela tinha esquecido aquele botão daquela
vez também. Quando ela percebeu que eu estava olhando, ela sorriu
graciosamente.
Asuka estava sentada no chão, no estilo indiano. Felizmente, ela
estava mais vestida que Rei, usando calcinhas e a sua usual camisa de
dormir, embora essa camiseta revelasse MUITA coisa. Ela estava xingando
um pouco, provavelmente por causa dos longos segundos que eu tinha gasto
olhando para Rei, mas a sua expressão se suavizou assim que eu passei a
olhar para ela.
Sobretudo, ambas as garotas pareciam perfeitamente bem. Obviamente
nada estava quebrado, e não havia grandes cicatrizes. Eu suspirei de
alívio. No entanto, eu percebi que ainda restava algo de machucados
quase curados. Eu duvidei que fosse devido ao ataque do Anjo, Touji
tinha me dito que tinha sido há um mês. Por um momento, eu imaginei de
onde esses mahucados tinham vindo, mas eu rapidamente afastei o
pensamento. Eu lembrei de algo importante que eu precisava fazer.
Eu me curvei e implorei pelo seu perdão.
"Asuka. Rei. Me perdoem."
"Porquê?" perguntaram as garotas simultaneamente.
Primeiro eu olhei para Asuka nos olhos.
"Eu... eu sinto muito pela maneira que eu te tratei naquela noite no
lago. Eu deveria ter tentado entender as suas razões ao invés daquilo.
Eu deveria ter entendido que aquilo era culpa minha... que... que a
maneira que eu me comportei machucou os seus sentimentos. Eu... eu sinto
muito."
Asuka pareceu prestes a falar, mas ela parou ao ver que eu agora
estava olhando para Rei.
"Eu não deveria ter sido tão rude com você, Rei. Tudo que você
queria... era me proteger... porque você se importava comigo. Eu não
entendi. Eu gritei com você. Eu te machuquei. Eu te fiz chorar. Eu
jamais deveria ter feito aquilo. Me perdoe."
Eu me curvei novamente, esperando o julgamento delas. Ao invés
disso, o que elas fizeram em seguida me pegou totalmente de surpresa.
"Ja. Ken. Po."
Eu olhei para cima, confuso, para ver que Rei tinha vencido.
"Meu Deus, o que você andou fazendo, praticou com a Misato?"
reclamou Asuka.
"Não. Você é simplesmente previsível."
"O quê?! Que seja... vá em frente, você venceu."
Isso era esquisito. Eu olhei para elas, confuso. Eu fiquei ainda
mais perdido quando Rei gozou Asuka.
Numa situação dessas, eu realmente não esperava que Rei me beijasse.
Força do hábito, aceitei o beijo, até me lembrar que Asuka estava aqui.
Eu congelei e olhei para ela. Ela estava praguejando, mas quando ela viu
meu olhar, ela fez aquele "Hum!" típico e olhou para o lado. Eu não
entendi o que estava acontecendo, mas era bom ter Rei junto a mim
novamente, então eu simplesmente aderi à sua paixão. E eu devo dizer,
havia muita paixão naquele beijo.
"Você está perdoado, meu amor," sussurrou Rei quando nossos lábios
se separaram. Então, Rei saiu do quarto. Eu a vi ir, e então olhei para
Asuka. Eu congelei novamente. Ela tinha aquele olhar... naquele momento,
eu entendi o que um coelho deve sentir quando um lobo faminto olha para
ele. Ela literalmente pulou em cima de mim e me jogou no chão.
"Minha vez agora."
Não havia sentido em resistir, então eu me submeti a seus lábios
famintos. Eu realmente não tinha nenhuma razão para resistir...
* * *
"Será que uma de vocês pode me explicar o que está acontecendo?" eu
perguntei, antes de tomar um gole de meu chá. Rei nos tinha deixado
anteriormente para prepará-lo. "O que você estava fazendo no meu
quarto?" eu ainda disse, olhando para Asuka.
"Anta baka? (*) Não é óbvio? Eu estou morando aqui com a Rei-chan!"
Eu olhei para ela, sem entender. Isso devia ser um sonho. Asuka,
chamando Rei de "Rei-chan"? Asuka, morando com Rei? Sem dúvida, era um
sonho. O que também explicaria os beijos...
"Eu creio que ele ainda não entendeu."
"Porquê eu não estou surpresa?" reclamou Asuka.
Uma pancada na cabeça me confirmou que isto não era um sonho.
"Escuta, baka Shinji! Enquanto você estava... longe... eu me mudei
para cá. É assim, simples. Entendeu?"
Eu assenti, mesmo não estando certo de ter entendido.
"Então você dorme no meu quarto agora?"
"Você parece estar pegando o espírito da coisa. Já era hora..."
"Então, onde eu durmo?"
"Idiota! No seu quarto antigo, claro!"
Vendo que eu parecia estar quase me perdendo de novo, Rei decidiu
assumir as explicações.
"Asuka e eu resolvemos as nossas diferenças. Eu acredito que nós nos
tornamos amigas. Nós tivemos longas discussões entre nós mesmas e a
Major Katsuragi e nós concordamos que seria mais fácil para você se você
morasse em um lugar onde nenhuma de nós também morasse."
"Nós não vamos brigar por você mais, e nós não vamos mais te
pressionar", disse ainda Asuka.
"Aqueles beijos que nós te demos... serão os últimos. Nenhuma de nós
vai tentar ficar envolvida romanticamente com você até que você se
decida", continuou Rei.
"Agora, que a melhor garota vença!" concluiu Asuka, fazendo o sinal
de vitória com os dedos.
Rei suspirou e tentou ignorar a sua muito entusiástica amiga.
"Eu... eu..."
Eu não sabia o que dizer. Eu jamais teria esperado tal mudança na
situação. Conforme aquelas palavras se fixavam, eu percebi que as coisas
seriam diferentes daqui em diante. Eu não sabia o que pensar a esse
respeito. Era um alívio. Eu não teria mais que ter medo de machucá-las.
Eu não teria que me sentir culpado quando ficasse com uma enquanto a
outra estivesse completamente sozinha. Eu não teria a permissão de traí-
las. Mas eu também percebi que eu não seria mais capaz de segurá-las em
meus braços. Eu teria que acordar de manhã e me ver sozinho.
O pior de tudo, eu teria que cozinhar novamente...
Eu estremeci com esse último pensamento, atraindo um olhar curioso
das garotas.
"Então eu devo assumir que vocês não vão mais dormir na minha cama?"
Ambas as garotas assentiram. Estranho, elas tendiam a ter as mesmas
reações desde o momento em que eu havia acordado Asuka. Será que Misato
as tinha posto em algum treinamento de sincronização como havia feito
comigo e Asuka quando enfrentamos o Sétimo Anjo?
"Isso vai ficar esquisito."
"Você se acostuma. A gente já se acostumou."
"Sei... bem... obrigado... eu acho..."
Um silêncio desconfortável se seguiu. Eu realmente não sabia o que
dizer ou fazer, e as garotas também não sabiam. Depois de longos
momentos durante os quais nós ficamos olhando um para o outro em
silêncio, Rei conseguiu quebrar essa atmosfera desconfortável.
"Você deveria voltar para o seu apartamento para tomar um banho.
Logo será de manhã. Você pode voltar para cá quando terminar. O café da
manhã estará pronto."
"Sim, tomar um banho! Esse cheiro de LCL está realmente irritante. E
tire essas roupas. Uniformes da NERV realmente não te caem bem..."
Essa era provavelmente a melhor coisa que eu podia fazer. Então eu
me levantei e fui até a porta. Mas antes de abrir a porta, eu me virei
para olhar para as garotas.
"Eu vou sentir falta dos velhos tempos, mas estou orgulhoso de ver
que vocês duas estão se dando bem agora. E... eu... eu estou feliz por
vê-las bem. Quando eu vi o que aquele Anjo fez aos seus EVAs... eu... eu
fiquei realmente preocupado. E eu me senti mal... por deixar vocês
sozinhas para lutar contra ele. Foi por isso que... eu voltei, eu... eu
não vou mais embora. Nunca mais."
As duas garotas sorriram. Essa era realmente uma visão maravilhosa.
Eu também sorri, e saí.
* * *
A água do banho quente caía boa e morna contra minha pele,
envolvento completamente o meu corpo. Eu me sentia calmo, relaxado. Eu
deixei a minha cabeça se soltar vagarosamente sob a água, até que eu
estivesse completamente imerso. A sensação não era a mesma de entrar em
um entry plug cheio de LCL. A água parecia... pura, limpa, fresca. Eu
somente saí dali quando senti que não poderia mais segurar o meu fôlego
e estava tentado a tentar respirar debaixo da água. Eu acho que isso
tinha se tornado um hábito. Eu apoiei minha cabeça na banheira e fechei
meus olhos. Isso era tão bom... eu caí no sono.
* * *
Um vagão, familiar, indo para algum destino desconhecido.
'Porque eu estou aqui de novo?'
"Baka! Porque você pilotou o EVA de novo, é claro!"
Eu levanto a minha cabeça para ver Asuka me encarando. Ela está
usando o seu vestido amarelo. Sua face não mostra nada além de uma
carranca.
'Ah é. Eu pilotei o EVA.'
"Você não gosta de pilotar o EVA. Porque você o faz?"
Rei está sentada ao meu lado. Sua face está como era há alguns meses
atrás. Fria e sem emoções.
'Porque... eu quero protegê-las...'
"Nós não precisamos da sua proteção, seu canalha!"
'Eu não quero ver vocês machucadas...'
"Mas você já nos machucou. Você fugiu de nós, depois de ferir os
nossos sentimentos. Você não é melhor que Ele."
Rei se levanta e fica lado a lado com Asuka. Meu pai aparece por
trás delas, e coloca uma mão com uma luva na cintura de cada uma.
"Agora que você se foi, eu posso usar estes peões como eu bem
quiser."
Ele aproxima sua face da de Rei. Ela olha para ele, seus olhos
vazios de emoções. Então seus lábios se encontram. Eu fecho meus olhos,
não querendo vê-los.
"Então, eu estava certa, a Garota Maravilha não é nada além de uma
boneca do Comandante..."
'PAREM COM ISSO!'
"A única coisa que você sabe fazer é machucá-las."
Eu abro meus olhos ouvindo essa nova voz. Eu reconheço a pessoa. A
garota de cabelos cinza.
"Quanto mais você adiar a sua decisão, por mais tempo você fará elas
sofrerem."
'Eu... eu não quero isso.'
"Saber disso faz você sofrer também."
'Sim.'
"Mas se você não voltar para elas, elas esquecerão. E você não
sentirá mais essa dor."
"Não vou?"
"Elas sempre estarão com você...'
'Comigo?'
"Para sempre."
'Para sempre?'
"Ei, baka Shinji. Você quer se tornar um comigo? Você quer que nós
nos tornemos apenas um corpo e apenas uma alma? É tão maravilhoso. Eu
estou te dizendo. Vamos!"
Asuka está à minha direita, completamente nua. Ela se aproxima de
mim, eu sinto seus seios contra meu braço.
"Shinji. Você quer se tornar um comigo? Você quer que nós nos
tornemos apenas um corpo e uma alma? É tão maravilhoso."
À minha esquerda está Rei, igualmente nua, igualmente linda.
"Você quer se tornar um só comigo?"
"Você quer que nós nos tornemos apenas um corpo e uma alma?"
"É tão maravilhoso."
Eu posso senti-las, suas mãos passando por mim. Eu me sinto em paz.
Mas estranhamente, eu também me sinto muito frio.
"Vamos, relaxe. Libere a sua mente."
Eu estou pronto para me deixar perder no seu abraço. Tudo à minha
volta parece escurecer. Eu me sinto tonto, mas leve. Eu me sinto...
livre.
"Se você fugir da realidade, então você as perderá para sempre."
Eu abro meus olhos, apenas um momento antes de perder todas as
sensações do meu corpo. Uma pequena garota está flutuando na escuridão à
minha volta. Ela olha para mim. Ela parece uma versão jovem de Rei, mas
nem tanto. Seu cabelo é marrom e seus olhos são azuis, azul-escuro.
Ainda, ela parece... familiar. Aquele sorriso...
"Essas são apenas sombras. Imagens criadas pelo EVA na sua mente
para te manter aqui. Ilusões que o EVA cria para atrair as pessoas
Pessoas como eu. Elas não são aquelas que você ama. Você não consegue
ver a diferença?"
Eu olho para Rei e Asuka. E eu vejo. Seus olhos são frios. Assim
como seus corpos.
'São apenas... ilusões.'
Rei e Asuka desaparecem. Eu agora posso ouvir um coração batendo.
Aquecido, eu me sinto aquecido agora.
"Não se deixe ser tentado pelo EVA."
Um colo.
Um colo muito familiar. Rei? Asuka? Misato? Não. Outra pessoa...
'Mãe!'
Ela está perto, tão perto...
'Mãe! Eu estou indo mãe!'
"Não, você não deve. Este não é o seu destino. Você deve voltar.
Para protegê-las. Para dar a elas o seu amor."
'Mas eu vou machucá-las...'
"Isso não importa. Elas precisam de você. Assim como você precisa
delas."
Uma voz. Eu ouço uma voz fraca. Uma voz familiar. Mas não é a de
minha mãe... alguém... quase tão importante...
'Shinji! Me devolvam o meu Shinji! Me devolvam...'
Mi... Misato...?
"Você deve voltar. Eles precisam de você. Proteja-os bem. Eu vou
ajudar se puder..."
Mãe?
"Vá agora."
* * *
Eu acordei com um susto. Isso não foi um sonho. Eu tinha certeza
disso. De alguma forma, isso tinha acontecido. Enquanto eu estive dentro
do EVA. Isso tinha sido real.
Mãe. Ela estava... ela estava... dentro... do EVA? Esse sentimento
de conforto que eu tinha sempre quando me sincronizava com o EVA, era...
ela? Era por isso que a Unidade-01 ficava me protegendo?
Mas... como isso aconteceu? A mãe supostamente estava... morta. Como
poderia ela estar... dentro no EVA?
Isso não fazia sentido. Ainda assim... de alguma forma... eu sabia
que era verdade.
Tantas perguntas. E o único que tinha as respostas muito
provavelmente não as daria para mim...
"Eu... eu não vou te desapontar... mãe. Eu vou protegê-las..."
Eu terminaria isso, eu lutaria com todos os Anjos que faltavam, e
então eu iria atrás da verdade. Até lá... eu manteria tudo que eu sabia
apenas para mim mesmo.
"Obrigado... mãe."
* * *
Eu estava terminando de secar o meu cabelo quando eu ouvi a porta do
apartamento se abrir. Então eu vi uma mancha vermelha, preta e púrpura
e, quando dei por mim, eu estava sendo espremido por um forte abraço.
"Shinji! Você está aqui! Eu estava tão preocupara..."
Eu tentei dizer alguma coisa, mas o fato de que a minha cara estava
coberta pelo amplo peito de Misato não tornava tal ação possível. Eu sei
de algumas pessoas que ficariam realmente invejosas dessa cena, mas
francamente, eu nem mesmo era capaz de respirar...
"Shinji..."
Eu me esforcei para escapar. Só depois de alguns segundos Misato
percebeu exatamente o que ela estava fazendo e me largou. Imediatamente
eu enchi os meus pulmões com ar fresco, e então olhei para ela. Ela não
estava chorando, mas estava muito perto disso. Ela me deu um sorriso
quente, e então a sua expressão ficou séria. Isso não era bom...
"Nunca mais se atreva a sair da enfermaria sem a minha permissão,
rapaz!"
Confrontado com esse aspecto de Misato, eu de repente me senti
muito, muito pequeno... eu olhei para o chão e murmurei uma desculpa.
"Go... gomen..."
"Está tudo bem Shinji..."
Quando eu levantei a minha cabeça para olhar para ela novamente, o
seu sorriso estava de volta.
"Você apenas nos deixou preocupados. Até encontrar o Touji, eu achei
que você tinha fugido..."
"Eu nunca mais vou fugir de novo, Misato. Eu... eu encontrei uma
razão para pilotar."
Misato suspirou aliviada. Eu imagino que isso tirou algum peso de
seus ombros.
"Isso é bom, Shinji. Agora, se apronte, você precisa ir à NERV.
Ritsuko quer fazer alguns testes com você, só pra ter certeza de que não
há efeitos colaterais do que aconteceu. Você sabe o que aconteceu,
certo?"
"Touji me contou."
"Você não se lembra de nada?"
Eu pensei nos flashbacks que eu andava tendo...
"Eu... eu... não. Eu não lembro..."
Eu odiava mentir para ela. Mas eu não podia contar a ela sobre isso.
O que tinha acontecido era tão estranho. E eu não queria que o
Comandante soubesse... que eu sabia.
"Sei..."
Misato claramente não estava acreditando no que eu tinha acabado de
dizer, mas ela não insistiu em perguntar nada. Eu estava agradecido. No
entanto, eu teria que ser mais cuidadoso com a Dra. Akagi.
"Eu posso... posso pelo menos tomar o café da manhã? Rei disse...
bem... ela preparou o café..."
Misato sorriu.
"Eu acho que uns minutos a mais não vão machucar."
* * *
Eu acho que as garotas ficaram ainda mais satisfeitas em me ver de
volta do que eu tinha imaginado. Quando eu voltei para o apartamento de
Rei... não... o apartamento *delas*, um gigangesco café-da-manhã estava
esperando por mim. De um lado da mesa, eu via comida Japonesa
tradicional: sopa misô, peixe, bolinhos de arroz... no outro lado da
mesa, havia comida no estilo ocidental: omeletes, salsichas, bacon... no
meio da mesa, um prato de torradas com diferentes tipos de geléia. Atrás
da mesa, ambas as garotas esperavam, cada uma delas usando um avental,
expectativa em seus olhos.
Elas não tinham dito que não iam mais brigar por mim?
Quando eu me sentei na mesa, eu tive que enfrentar um dilema cruel.
Qual das comidas eu deveria experimentar primeiro? Eu já sabia que a
comida de Rei era excelente, e eu podia imaginar que a comida Japonesa
tinha sido feita por ela. Eu poderia reconhecer a sopa misô dela apenas
pelo cheiro. A comida de Asuka no entanto... ela nunca realmente se
importou em cozinhar quando morava comigo e com Misato. Eu não sabia o
que esperar. Mas a pior parte do dilema era que eu tinha medo de
machucar uma delas ao provar a comida da outra primeiro. Bem, não havia
muita escolha. Eu tinha que começar por algum lugar...
"Rei, eu já sei que a sua comida é excelente. Você não se importaria
se eu começasse com a comida de Asuka?"
Rei enrubesceu levemente com o cumprimento.
"Não... é claro que não..."
Então eu peguei um garfo e peguei um pedaço do omelete. Eu estava
mais acostumado ao hashi (*), mas eu ainda consegui pegar um grande
pedaço. Estava bem apiemntado, mas muito bom.
"Muito bom Asuka," eu elogiei. Agora era a vez dela enrubescer.
"Você nunca nos disse que cozinhava tão bem."
"Bem, eu realmente não cozinhava. Mas eu tive tempo pra aprender. Eu
gosto da comida da Rei, mas eu não sou vegetariana como ela. Eu preciso
de um pouco de carne de vez em quando! E eu estava cansada de comida
Japonesa!"
"Sei."
Eu tinha que admitir que eu estava um pouco desapontado. Afinal, Rei
tinha aprendido a cozinhar para me agradar. Eu deixei escapar um pequeno
suspiro. Eu era um idiota. Era no mínimo tonto, para não dizer egoísta,
esperar que elas só fizessem as coisas para me agradar. Elas tinham as
suas próprias vidas afinal...
Talvez fosse a minha vez de tentar fazer alguma coisa por elas...
"Que dia é hoje?" eu perguntei entre um gole da sopa de Rei e
mordidas no omelete de Asuka, a sopa ajudando a aliviar a pimenta.
"Sexta."
"Então vocês duas estão livres amanhã, certo?"
Ambas as garotas assentiram e me deram olhares confusos.
"Então eu posso levar vocês duas para sair amanhã?"
Os olhos de Asuka se iluminaram.
"Onde?! Onde?!"
"Er... qualquer lugar que vocês quiserem ir."
As garotas olharam uma para a outra... e sorriram. Era uma visão tão
estranha que chegava a amedrontar. De repente, eu comecei a esperar pelo
pior.
* * *
"O que aconteceu entre Rei e Asuka?" eu perguntei, enquanto Misato
dirigia até a NERV. Ela parecia levemente perturbada por essa pergunta,
pois desacelerou.
"Bem... elas ficaram amigas..."
"Isso eu vi. E é o que elas me contaram. Mas... eu tenho a impressão
de que alguma coisa não está certa aqui. Digo... elas eram praticamene
inimigas. Eu simplesmente... não posso acreditar que as coisas tenham
mudado... tanto."
"Você tem que entender o quanto elas gostam de você, Shinji. Quando
eu contei a elas que você tinha sido... absorvido... pelo EVA... elas
não aceitaram isso bem. Especialmente porque nós não fazíamos idéia de
se conseguiríamos te trazer de volta oiu não. Foi difícil... para
todos."
A expressão de Misato escureceu um pouco. Eu sabia que ela estava
falando de si mesma também.
"Eu... eu sinto muito."
"Não é sua culpa..."
Ela tirou os olhos da estrada por um instante para sorrir para mim.
Os pedestres tentavam pular para um lugar seguro.
"Rei rapidamente voltou a ser o que era," explicou Misato. "Ficou
difícil tirar mais que um ´sim´ ou um ´não´ da boca dela. Eu sei que a
amiga dela, Hotaru, estava preocupada com ela. Mesmo antes de te
conhecer, Rei mostrava sinais de vida de vez em quando. Mas quando ela
soube que você poderia não voltar... ela simplesmente pareceu drenada de
toda a vida. Eu também estive preocupada com ela."
Isso tinha acontecido porque ela tinha pensado que eu não voltaria?
Se eu escolhesse Asuka... ela voltaria a ser o que era?
"Asuka ficou ainda mais agressiva que o usual. Ela não queria
acreditar na possibilidade de que você poderia estar 'morto' e ficou
praguejando sobre como você era um canalha, matando aquele Anjo e depois
se escondendo pra evitar que ela te pegasse."
Eu não pude evitar sorrir com isso, lembrando do que tinha
acontecido esta manhã. Ela tinha, de fato, me pego de jeito.
"Eu acho que ambas se sentiam culpadas por ter falhado em parar o
Anjo, e conseqüentemente de proteger você. Elas estavam ficando
perigosamente deprimidas. Uma noite, eu acho que nós estávamos sem
comida em casa. Nós... esquecemos de comprar. Eu estava... bem...
bêbada... então eu pedi a Asuka que fosse até o apartamento de Rei pegar
alguma coisa para comermos. Eu não vi Asuka até a manhã seguinte."
Misato fez uma longa pausa. Eu comecei a me preocupar.
"Eu as encontrei de manhã no chão do apartamento de Rei, nos braços
uma da outra. As roupas delas estavam amarrotadas e elas estavam
cobertas de cicatrizes e algum sangue. Do que elas quiseram me contar,
elas tinham tido uma discussão sobre Rei estar vestida com uma das suas
camisas. A discussão se deteriorou e elas começaram a culpar uma à outra
pelo que tinha acontecido, quão mal elas tinham tratado você e como elas
tinham sido incompetentes em te proteger. Mas quando eu as vi na
enfermaria, depois que elas tinham acordado... elas pareciam...
mudadas... como se fossem... amigas. O meu palpite é que elas resolveram
as diferenças entre elas naquela briga. Eu não posso ter certeza, elas
não querem falar sobre isso. Quando eu penso de novo no momento em que
eu as vi pela primeira vez se abraçando... foi realmente uma... visão
perturbadora."
Eu assenti, tendo me sentido do mesmo jeito toda a manhã.
"E então, Asuka se mudou para o apartamento de Rei?"
"Depois de alguns dias. Pareceu melhor para a amizade delas viver
através da competição delas por você."
"Sei..."
Então elas tinham brigado por mim. Não era por menos que elas não
queriam me contar nada.
"Você tem sorte, Shinji. Elas duas te amam muito."
"Eu sei, Misato-san."
Eu sorri novamente. Sim, a vida era complicada, mas era bom sentir
que havia alguém que se importava comigo.
"Chegamos," disse Misato, estacionando o carro no lugar designado. O
fato de ter que passar pelos testes da Dra. Akagi não era muito
agradável, mas eu ainda estava sorrindo quando nós a encontramos.
* * *
Como eu tinha imaginado, os testes da Dra. Akagi foram bem chatos e
bem cansativos. Ela pegou não sei quantas amostras de vários tipos do
meu corpo, e então me fez passar por dúzias de máquinas diferentes,
antes de finalmente me dar um plug suit e me enfiar dentro de um entry
plug para um teste de harmônicos e sincronização. Os resultados? Se não
considerarmos a queda de um ponto na minha taxa de sincronia, tudo
estava normal. Então, eu fiquei aborrecido até os ossos por nada. Eu
senti um arrepio com esse pensamento. Asuka era normalmente quem se
queixava disso.
Uma vez que eu fui liberado de todos os testes da doutora, eu voltei
para o apartamento para perceber que o dia ainda estava longe do fim. Eu
suspirei em desespero ao ver o campo de batalha que Misato chamava de
lar. Imagens do apartamento perfeitamente limpo de Rei vieram à minha
mente. Eu suspirei de novo. Resignado, eu comecei a empilhar as latas de
cerveja. As aulas acabariam em menos de duas horas. Era tempo suficiente
para dar a este lugar uma aparência um pouco melhor.
As minhas projeções se provaram certas, pois eu consegui limpar tudo
em uma hora e meia. Cansado, eu fui para o meu quarto. Eu estava a ponto
de me deixar cair na cama, quando eu percebi que havia algo errado. Este
lugar estava limpo. Realmente limpo. Sem sujeira. Você poderia sentir
isso no ar. Uma olhada por ali me confirmou que tudo que eu tinha
aparentemente estava ali, exceto talvez a camisa que Rei tinha pego
emprestado permanentemente . Eu teria que questioná-la a esse respeito.
Eu estava curioso em saber porquê ela tinha ficado com uma das minhas
camisas. Seria para de alguma forma me sentir próximo a ela?
Num canto do quarto, eu notei o meu cello. Não estava no lugar
certo, então eu o peguei para movê-lo, mas mudei de idéia e saí do
quarto com ele na mão e me sentei numa cadeira na cozinha. Da última vez
que eu tinha tocado, tinha sido com uma mente deprimida. Eu me sentia
feliz agora. Eu queria ver se eu me sentiria diferente tocando. Foi. A
melodia era melhor, mais graciosa. Eu parecia estar tocando melhor que o
usual. Eu fechei meus olhos e me perdi tocando o instrumento.
Eu só abri os meus olhos quando eu ouvi a porta do apartamento de
abrir. Rei entrou, sorrindo, seguida por uma Asuka de mau humor. Ela
ficava murmurando para si mesma e eu podia às vezes compreender alguns
xingamentos em alemão. Aparentemente, não tinha sido um bom dia de
escola para ela.
"Nós estamos te interrompendo?" perguntou Rei.
Eu percebi que eu tinha parado de tocar.
"Eu... eu só estava praticando um pouco... eu posso parar..."
"Não. Continue."
Eu olhei para Rei. Ela apenas sorriu. Então eu olhei para Asuka. Ela
me deu aquele olhar "eu não me importo". Então, eu continuei a tocar,
puxando o arco pelas cordas do meu cello, as cordas ricas e profundas
vibrando pelo pequeno apartamento. Eu me arrependi de não ter praticado
mais, ouvindo as ocasionais notas que saíam fora do tom, apesar das
minhas melhores intenções. Não era sempre que eu tinha uma audiência, e
eu realmente queria tocar bem para elas.
Rei sentou em seus joelhos, me observando tocar da sala de estar. A
sua expressão era a mesma de sempre, mas o interesse em seus olhos
vermelhos era genuíno. Eu comecei a imaginar se alguma vez ela já tinha
sentado para ouvir música antes. Isso mesmo, apenas para ouvir. Eu tinha
certeza que ela já tinha ouvido música na vida, mas ela mostrava tanto
interesse agora que eu estava começando a pensar que ela poderia jamais
ter imaginado o que era isso até agora.
Seus olhos seguiam os movimentos de minhas mãos nas cordas com rara
concentração. Ela parecia aprisionada pela variedade de notas que uma
simples passada do arco poderia gerar. Um momento depois seus olhos se
ergueram para olhar nos meus, e ela sorriu. Pareceu um sorriso de
agradecimento por essa nova experiência. Eu sorri de volta.
Olhando um pouco além da garota de cabelos azuis, eu via a outra
presença. Ao contrário de Rei, que estava sentada corretamente, Asuka
tinha se jogado sobre tanto chão quanto fosse possível. Braços e pernas
jogados para fora de seu corpo, ela estava deitada de costas e olhava
para o teto, a visão da energia relaxada.
Eu tinha esperado que Asuka ficasse cansada de me ouvir tocar e me
dissesse para parar com aquele barulho, mas ela não fez isso. Ela
simplesmente ficou ali, esparramada no chão. Eu atirava uns olhares para
ela de vez em quando durante a minha apresentação e percebi que seu
corpo parecia vagarosamente relaxar e aos poucos ia adquirindo um
pequeno sorriso de contentamento.
Ver isso fez o sorriso em minha face ficar ainda maior, mas eu
rapidamente baixei a cabeça. Era melhor ter certeza de que ela não visse
o meu sorriso e de alguma forma adivinhasse a fala que ficava em minha
cabeça, dizendo que 'a música acalma a fera selvagem'. Eu não estava
interessado em sentir de novo a fúria de seus punhos
Eu toquei assim por provavelmente quinze minutos. No chão, Asuka
parecia estar aos poucos adormecendo. Um pouco mais perto de mim, Rei
tinha fechado os olhos, mas o sorriso em sua face mostrava que ela ainda
estava curtindo a minha música. Essa atmosfera pacífica foi logo
quebrada pela chegada de Misato.
"Olá pessoal!"
Então, Misato congelou ao ver a cena de paz e calmaria que nós
estávamos proporcionando. Isso não era nada usual na residência
Katsuragi.
"Obrigado," sussurrou Rei, antes de se levantar e ir para a
cozinha, onde começou a fazer um pouco de chá.
Asuka recobrou seus sentidos e correu para o telefone, me deixando
com a Major.
"Bem, eu vejo que todos vocês estão aqui, então nós podemos agora
ter a nossa grande festa-jantar!" disse Misato, toda sorrisos.
"Festa?" eu perguntei, com uma ponta de suspeita de suas intenções.
"Não se preocupe! Apenas nós quatro. E eu não vou me embebedar, eu
prometo!"
Katsuragi Misato? Prometendo não ficar bêbada? Agora, isso sim era
estranho...
"A comida vai chegar em alguns minutos!" anunciou Asuka ao voltar
para a sala de estar.
"De fora?" eu perguntei, surpreso. Nós raramente pedíamos alguma
coisa de fora. Especialmente porque Rei e eu cuidávamos da cozinha. E
agora que Asuka parecia saber cozinhar, isso era ainda mais estranho.
"Anta baka? É uma festa-jantar! Você não espera que nós cozinhemos,
espera?"
Eu achei que a argumentação dela fazia sentido.
* * *
Fiel às palavras de Asuka, a comida logo chegou e nós tomamos nossos
lugares em volta da mesa baixa da sala de estar. Misato estava de frente
para mim, e eu tinha Rei e Asuka ao meu lado.
"Parece estranho. Eu tinha quase esquecido o gosto do chá..."
Era realmente estranho ver Misato bebendo chá ao invés de cerveja ou
café.
"Você deveria parar de beber. Isso prejudica a sua saúde."
"É, eu sei Rei... talvez eu pare..."
Misato tomou outro longo gole de chá, antes de falar novamente, com
um grande sorriso em sua face.
"Shinji... Asuka... Rei... vocês são os filhos que eu nunca tive...
e provavelmente nunca vou ter. Eu... eu estou feliz que nós estejamos
finalmente juntos de novo. Restam apenas três Anjos agora. Eu realmente
espero que nós possamos ter outro jantar como esse quando eles forem
derrotados. Esse é o meu desejo."
"Ora, vamos, Misato! Você ainda é jovem! Eu tenho certeza de que
Kaji irá ter o maior prazer em te dar um ou dois bebês só seus..." disse
Asuka, um grande sorriso malicioso quase rasgando a sua face ao meio.
Usualmente, Misato era quem nos provocava. Mas agora, era a vez dela
enrubescer como um tomate.
"O quê?! Não... não é nada disso..."
"Onde você esteve a última noite?"
A face de Misato de repente ficou tão pálida quanto a de Rei.
"Eu... bem.. quem... quem iria querer ter filhos com ele, de
qualquer modo?!"
"Se não fosse pelo Shin-chan, talvez eu não me importasse."
Todos naquela mesa, com exceção de Asuka, ficaram sem palavras.
"Mas eu preferiria ter um com o Shin-chan..."
Eu engoli seco. Rei olhava direto para Asuka. Eu acho que ela não
tinha gostado do rumo que a discussão tinha tomado. Eu sei que eu com
certeza não gostei...
"Eu imagino como seria? Talvez uma linda garotinha com os meus
cabelos e os profundos olhos azuis dele..." Asuka tinha uma expressão
quase que sonhadora na face. Era realmente arrepiante. "Ei, Rei-chan? Se
você tivesse um filho com o Shin-chan aqui, como você acha que ele
seria?" perguntou Asuka com um sorriso de malícia, agora de volta à sua
personalidade usual.
A reação de Rei provavelmente não foi o que Asuka esperava que
fosse. Seus hashi caíram no chão. A sua expressão mudou de calma para
extrema angústia. Lágrimas rolaram pela sua face e caíram em seu peito.
"Rei?"
Como se a menção de seu nome a tivesse tirado de um sonho, ela se
levantou e correu para fora do apartamento. Nós ficamos ali, perdidos e
confusos com o que tinha acabado de acontecer.
"Qual o problema dela? Eu... eu não estava falando sério. Eu nem
mesmo quero ter filhos. Tudo que eu quero é pilotar o EVA..."
"Eu não sei. Eu vou... eu vou atrás dela. Com licença."
Aquele olhar em sua face... eu tinha que saber o que havia de
errado. Eu acho que Asuka tentou vir junto, mas Misato disse-lhe para
ficar.
* * *
Eu encontrei Rei em seu quarto, sua cara enterrada no travesseiro,
chorando como eu jamais a havia visto chorar. Eu me aproximei em
silêncio, sem saber o que fazer, ou o que dizer.
"Rei..."
Eu coloquei uma mão em seu ombro, e a movi para sua cabeça, onde
acariciei seu macio e desarrumado cabelo azul.
"O que há de errado, Rei?"
Ela virou a cabeça um pouco e olhou para mim. Eu senti como se meu
coração fosse quebrar.
"Rei..."
"Eu... eu... eu..."
As palavras simplesmente morriam em sua boca. Novamente ela começou
a chorar. Sem saber o que mais fazer, eu a tomei em meus braços. Eu a
senti pegar minha camisa e chorar muito contra o meu ombro, até
adormecer.
* * *
Na manhã seguinte, Rei aparentemente se sentia melhor. Ela veio ao
apartamento de Misato e nos pediu perdão pela explosão. Quando nós
perguntamos o que havia acontecido, ela simplesmente disse que não
queria explicar. Nós não insistimos mais a esse respeito, mas pelo olhar
de Misato, eu podia dizer que ela não desistiria assim tão fácil. Eu não
tinha certeza se ela estava preocupada como nossa guardiã ou como nossa
oficial comandante. Provavelmente ambos.
Depois do café da manhã, as garotas me disseram quais eram os seus
planos para o dia. Primeiro, Asuka parecia não estar à vontade, eu acho
que ela se sentia culpada pelo que tinha acontecido na noite anterior,
mas o prospecto do que estava por vir naquele dia rapidamente a fez
esquecer aquele incidente.
Seus planos eram realmente simples. Não chegava a ser uma surpresa,
com Tokyo-3 ficando mais e mais deserta, não havia muito o que fazer por
aqui. Primeiro elas queriam ir ao shopping...
"O shopping?"
"Sim! Nós realmente precisamos comprar umas roupas novas para você!"
"Comprar roupas para mim? O que há de errado com estas?"
"Você sempre usa as mesmas roupas," respondeu Rei, monotonamente.
"Você não tem nenhum estilo! Sempre aquelas malditas camisas de
escola e de vez em quando umas camisetas!"
"Mas eu não preciso de roupas novas!"
"Rei precisva de roupas novas?" perguntou Asuka, apontando para Rei,
que hoje estava usando um vestido azul com botas de couro pretas,
provavelmente escolhidas por Misato.
Eu não sabia o que dizer. Rei parecia linda. Então eu simplesmente
fiquei quieto e me deixei ser arrastado.
O resto do dia tinha sido planejado de forma igualmente simples. Nós
iríamos trazer as compras de volta para o apartamento e almoçar aqui, e
depois iríamos gastar todo o dinheiro que tivéssemos no shopping de
novo, e então eu faria para elas o jantar e finalmente nós iríamos
assistir um filme. E, se nós não estivéssemos muito cansados, Asuka
queria ir a uma discoteca, da qual tinha ouvido falar, antes que ela
fechasse. Rei e eu trocamos olhares preocupados. Eu realmente não sabia
dancar e ela parecia na mesma situação. Nós dois suspiramos enquanto a
nossa companhia ruiva nos liderava até o shopping.
* * *
Eu suspirei quando as garotas finalmente me deixaram sozinho por um
momento para entrar em uma loja de lingeries. "Pervertidos não são
permitidos aqui" foi o aviso que Asuka me deu. Francamente, eu tinha que
admitir, esse era o último lugar para o qual eu as seguiria. Se eu
fizesse isso, eu tinha certeza de que elas teriam um imenso prazer em me
torturar me pedindo para julgar o que ficaria melhor. Elas já tinham me
provocado o suficiente quando resolveram experimentar as roupas de
banho... tinha sido bom olhar para aquilo, mas eu me vi enrubescendo
demais pro meu gosto.
Eu suspirei de novo. Lidar com uma já era difícil. Lidar com ambas
ao mesmo tempo era exaustivo...
Eu estava procurando algum lugar para desmaiar quando, de repente,
algo fisgou o meu olho. Eu não tenho certeza do porquê. Talvez parte de
mim quisesse um fim definitivo para essa situação. Uma coisa era certa,
o que quer que fosse, algo me levou a olhar mais de perto a vitrine da
pequena joalheria; mais precisamente o anel de noivado que estava no
mostruário. Era bem simples. Um anel de ouro com um único diamante
montado em cima. Mas ainda assim, eu me senti atraído por ele.
Minutos depois, eu o carregava em um dos meus bolsos. No entanto, eu
ainda tinha que escolher a quem dá-lo...
[Continua...]
Da próxima vez:
Aquela Que Eu Amo É...
Capítulo 8 - Corações Partidos
Omake:
Shinji relaxou no banho, mergulhando sua cabeça sob a água. Depois
de um tempo, ele voltou à tona, embora relutante. Ele preguiçosamente
apoiou sua cabeça na borda da banheira e adormeceu.
"Você quer se tornar um comigo?" um Touji pelado perguntou,
deitando-se sobre ele.
Desnecessário dizer, Shinji pulou para fora e acordou, não
necessariamente nessa mesma ordem.
Segurando a sua cabeça em suas mãos, Shinji prometeu nunca mais ler
nada da coleção de manga Yaoi de Rei novamente.
(Obrigado a Godsend777 por este pequeno omake)
Notas do autor:
Alguns podem imaginar exatamente o que aconteceu entre Rei e Asuka.
Eu concordo, parece muito repentino. Mas não esqueça, isso é pela
perspectiva de Shinji. Ela não estava lá para presenciar nada. No
entanto, Axel Terizaki escreveu uma side story para mim para cobrir esse
"buraco". Ele está disponível no website de TOILI (URL no topo deste
arquivo).
O nome Mari, para a irmã de Touji, foi tirado do conhecido "Neon
Genesis Evangellydonut", de Andrew Huang, da parte 3.5. É bonitinho e eu
já vi sendo usado em outros fanfics. Um dos meus parceiros, Godsend777,
o usou para uma side story de TOILI, "Pelo amor e pelo dever". Pela
continuidade, sem mencionar que é um nome bonito e porque eu era muito
preguiçoso para pensar em algum outro nome, eu o usei. Mas antes de
tudo, eu gostaria de pensar nisso como um pequeno tributo ao trabalho do
Andrew (sim! Vocês adivinharam, a pergunta que vocês vêem em um monte de
fanfics... "Quando nós podemos esperar o próximo capítulo de
Evangellydonut, Andrew?" - se ele responder, eu estarei realmente
lisonjeado, isso significa que ele leu TOILI... ^_^).
Aqueles que leram "All I want is you", a side story lemon de Jeremy
para o capítulo 6 reconhecerão a reação de Rei perto do fim da parte 2.
Era algo que eu pretendia incluir em TOILI quase desde o começo, mas não
pude achar um lugar até agora. No entanto, eu decidi tornar isso um
pouco vago, para que isso pudesse levar a outras situações para aqueles
que não leram o lemon. A intenção disso é mostrar que Rei não é
perfeita. Muitas pessoas não viram isso nos primeiros capítulos de
TOILI. No entanto, com o capítulo seis e agora o sete, nós vemos que Rei
tem seus defeitos assim como Asuka, que ela tem medo e não confia em
Shinji o suficiente para expor os seus segredos, mesmo que ela o ame.
Manter a verdade trancafiada é mais seguro do que arriscar enfrentar a
dor de perder Shinji. Eu já vi Rei ser descrita como a encarnação da
inocência. Eu discordo. Alguém realmente inocente jamais teria segredos
para começar. Isso não quer dizer que Rei seja má. Só quer dizer que ela
é humana. O que, em minha opinião, é muito mais atraente.
---
Notas de tradução:
Gomen : "Desculpe". Uma das marcas registradas de Shinji.
Hashi: Aquele par de pauzinhos que são usados em países como o Japão
como talheres. Eu preferi traduzir para hashi para que o texto ficasse
mais natural. "Pauzinhos" simplesmente não funcionaria. #Ayanami-san
Alain Gravel
rakna@globetrotter.qc.ca
27 de Agosto de 1999
Iniciado em 28 de Junho de 1999
Primeira versão do pre-reader, Parte 1, terminada em 13 de Agosto de
1999
Primeira versão do pre-reader, Parte 2, terminada em 27 de Agosto de
1999
Segunda versão do pre-reader, terminada em 31 de Agosto de 1999
Versão final, terminada em 10 de Setembro de 1999
Revisões finais em 13 de Março de 2000